terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Minha última aula na UNIRIO


A Origem determinante da humanidade

(e tudo que lhe próprio, como o Direito)

Professor Titular da Escola de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Professor Titular de Filosofia de Universidade Estadual do Ceará e de Direito da Faculdade Farias Brito (Fortaleza, CE). Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da PUCSP (Mestrado e Doutorado) e do Mestrado da Universidade Candido Mendes (Rio de Janeiro, RJ). Pesquisador das Universidades Paulista e Mackenzie. Doutor em Ciência do Direito pela Universidade de Bielefeld, Alemanha. Livre Docente em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Ceará.

 

Importa ressaltar, iniciando estudos seja da História seja da Filosofia do Direito – a serem entendidos como capítulos da História em geral da humanidade e da Filosofia em geral -, que sua origem é, por definição, mítica - Certa feita disse Jacques Lacan, em um de seus Seminários, "o que vem lá do começo tem um nome: é o mito" (O Avesso da Psicanálise, trad. ARI ROITMAN, Rio de Janeiro: Zahar, 1992, , p. 102). Myeîn, em grego antigo, significava iniciar – e também calar, sobre o que se transmitia na iniciação. No mito, então, mascara-se a verdade. Mas ela está lá, só que mascarada, enfeitada. Talvez isso seja preciso por não ser tão bela e agradável olhar para ela; por não suportarmos vê-la diretamente, sem anteparos, assim como não suportamos olhar de frente, por muito tempo, o sol - ou a morte. Como Nietzsche, que em sua obra "O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música" (1872) atribui à extrema sensibilidade do grego antigo para a dolorosa verdade da existência que pode se acabar violenta e abruptamente sua capacidade a criação das Tragédias, podemos ver aí a fonte de sua rica mitologia, bem como, posteriormente, da transformação de ambas em filosofia, mãe de toda ciência.

No contexto aqui trabalhado, o mito é entendido como uma fantasia estruturante do sujeito, uma verdade, que, como toda verdade, "tem uma estrutura de ficção", e "só pode ser concebida se enunciada em um semi-dizer". (J. LACAN, ob. cit., p. 97; Id., A Ética da Psicanálise, trad. A. QUINET, 2a. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1991, p. 22. Aqui pode-se considerar haver uma alusão ao dito dos juristas-teólogos medievais, "fictio figura veritatis". Cf. Ernst H. Kantorowicz, Os Dois Corpos do Rei. Um Estudo sobre Teologia Política Medieval, trad.: CID KNIPEL MOREIRA, São Paulo: Companhia das Letras, 1999, pp. 181 ss., passim; tb. PIERRE LEGENDRE, Leçons II: L’Empire de la Véritè. Introduction aux espaces dogmatiques industriels, Paris: Fayard, 1983, p. 109.

Lembremos, portanto, nessa perspectiva, do mito concebido por Freud, para figurar o surgimento da religião e de tudo o mais que é da ordem da cultura, do propriamente humano, do simbólico. Na origem disso tudo - onde se inclui, é claro, o próprio Direito - estaria um crime, o primeiro, o assassinato de um pai, que só depois de assassinado os assassinos o perceberiam como pai, e a eles, os assassinos, como filhos. Esse pai teria sido morto por não partilhar nem limitar o seu gozo, pois só ele detinha, usava, fruía e ab-usava das mulheres da chamada "horda primitiva", em que viviam agrupados. Há, portanto, nesse assassinato, uma conotação de reivindicação de direitos, de tiranicídio, o que seria justificável, e de fato o foi, dadas certas circunstâncias, até por padres da Igreja Católica, teólogos-juristas medievais, regicidas. Só que o tirano, depois, revelou-se como pai.
            Na situação que podemos imaginar como sendo aquela dos "filhos" nessa horda primitiva, eles, à medida que cresciam, eram expulsos pelo "pai", para que conseguissem por seus próprios meios o sustento e as suas mulheres. Ora, essas criaturas - de acordo com a explicação dada em teoria recente sobre o surgimento do humano, devida ao biólogo chileno de renome internacional, Humberto Maturana -, se eram seres "proto-humanos", então já conheciam o amor e eram cooperativos numa escala jamais atingida por seus "primos" não-humanos, os chimpanzés, que por serem tão agressivos não evoluíram no sentido de uma hominização – ou uma variação desses “primos”, que seriam ainda mais próximos de nós, os bonomos, já beneficiados por habeas corpus impetrado, com sucesso, em favor de um deles, no Estado da Bahia, os quais transformaram a violência, por assim dizer, emuma busca diuturna e incessante de prazer sexual, sem a menor consideração por quem seja o parceiro, justamente o que irá nos distinguir deles, por sermos o resultado do recalque dessa pulsão, segundo Feud. A meu ver, tudo isso torna ainda mais consistente o mito-fundador da sociabilidade humana, concebido por Freud, mito em que encontramos, como veremos em seguida, as características próprias da tragédia, o seu telos, tal como se acha definido por Aristóteles, nos capítulos sexto e décimo terceiro de seu tratado sobre a poética: provocar piedade e temor (diante da divindade).

Retomando a narrativa do mito freudiano, tem-se que, após o assassinato do Pai-Deus seu corpo teria sido partilhado por todos, havendo neste ato de "comer juntos", de comunhão, mais do que um sentido de incorporação do poder e de recolhimento em si do morto, a finalidade de instituição da comunidade, da "comum-unidade". Daí que os filhos expulsos ficavam inconformados com a perda do convívio na horda, onde aprenderam as vantagens da cooperação, para atingir o que sozinhos não conseguiriam, donde ter-lhes ocorrido a idéia que os levou a pactuar, tacitamente, o assassinato de quem os expulsou, e que morto, ausente, se revelará como o pai. Eis que, porém, esse primeiro contrato, um pacto de sangue, o verdadeiro "contrato social", não resultará muito benéfico para as partes contratantes, pois eles terminaram ficando, de qualquer modo, sem aquele que os protegia e alimentava. Além disso, ao invés da aprovação, devem ter despertado a indignação de suas "mães", que aí também ficaram sem essa proteção e, de resto, sem um "homem de verdade", donde terem instaurado o matriarcado, em que o gozo do direito às mulheres e a tudo o mais foi organizado pelas mulheres, reforçando aquela Lei que Lévi-Strauss considera a lei fundadora da sociedade, lei ao mesmo tempo natural e social, a primeira: a lei que proíbe o incesto com a mãe (cf. Les structures élémentaires de la parenté, Paris: P.U.F., 1949, p. 38 ss., passim). A propósito, há o conhecido texto de Lacan sobre a família, publicado em 1938 na "Encyclopédie française", tomo VIII, onde ao tratar do complexo de édipo, refere o "apoio sociológico" que as teses de Freud sobre as fantasias do inconsciente receberiam dos estudos enfeixados por Frazer em sua célebre obra "The Golden Bough", onde se reconhece no tabu da mãe a "lei primordial da humanidade". Em sua investigação não menos célebre sobre as estruturas elementares do parentesco, Claude Lévi-Strauss sustenta ter a proibição do incesto sua origem na natureza, embora seja consagrada em uma regra, emanada do ambiente sócio-cultural, e que seria a primeira norma jurídica. Aqui, também, não se pode deixar de recordar o Mutterrecht de Bachofen, que tanta influência teve em autores como Nietzsche e nosso Oswald de Andrade, sendo um, filósofo literato e o outro, literato filósofo, respectivamente.

De se notar, ainda, é a alusão de Freud ao banquete no qual os filhos comem a carne do pai morto, uma festa de natureza sacrificial, que René Girard, em A Violência e o Sagrado (3ª. ed., São Paulo: Paz e Terra,  2008), irá situar na origem da religião e de toda sociedade - esta pressupondo a primeira -, enquanto excesso permitido e violação ritualizada de proibições, exceções que garantem a persistência das regras e da ordem social. Para ele, "a própria violência vai deixá-las de lado, assim que o objeto inicialmente visado sair de seu alcance e continuar a provocá-la. A violência não saciada procura e sempre acaba por encontrar uma vítima alternativa" (p. 14) ... "Só é possível ludibriar a violência fornecendo-lhe uma válvula de escape, algo para devorar (p. 17) ... "A substituição sacrificial pressupõe um certo desconhecimento. Enquanto permanece vivo, o sacrifício não pode tornar explícito o deslocamento no qual se baseia. Mas ele também não pode esquecer completamente nem o objeto inicial, nem o deslizamento realizado deste objeto para a vítima realmente imolada" (p. 18)..."O sacrifício polariza sobre a vítima os germes de desavença espalhados por toda parte, dissipando-os ao propor-lhes uma saciação parcial" (p.21)... "O princípio da substituição sacrificial baseia-se na semelhança entre as vítimas atuais e as vítimas potenciais, e essa condição pode ser perfeitamente preenchida, quando, nos dois casos, trata-se de seres humanos. O fato de que algumas sociedades tenham sistematizado a imolação de certas categorias de seres humanos com o objetivo de proteger as outras categorias não tem nada de supreendente" (p. 25)... "O desejo de violência é dirigido aos próximos; mas como ele não poderia ser saciado às suas custas sem causar inúmeros conflitos, é necessário desviá-lo para a a vítima sacrificial, a única pode ser abatida sem perigo, pois ninguém irá desposar sua causa" (...) Os homens obtém tanto mais êxito na eliminação da violência quanto mais este processo de eliminação não for reconhecido como seu, mas sim como um imperativo absoluto, como a ordem de um deus cujas exigências são tão terríveis quanto minuciosas. O pensamento moderno, ao expulsar completamente o sacríficio para fora do real, continua a ignorar sua violência"( p.27)..."A vingança constitui portanto um processo infinito, interminável. Quando a violência surge em um ponto qualquer da comunidade, tende a se alastrar e a ganhar a totalidade do corpo social, ameaçando desencadear uma verdadeira reação em cadeia, com consequencias rapidamente fatais em sua sociedade de dimensões reduzidas. A multiplicação das represálias coloca em jogo a própria existência da sociedade. Por este motivo, onde quer que se encontre, a vingança é estritamente proibida" (p.28)... "O sacrifício oferece ao apetite de violência , que a vontade ascética não consegue saciar, um alívio sem dúvida momentâneo, mas indefinidamente renovável, cuja eficácia é tão sobejamente reconhecida que não podemos deixar de levá-la em conta. O sacrifício impede o desenvolvimento dos germens de violência, auxiliando os homens no controle da vingança" (...) A hipótese que levantamos confirma-se: é as sociedades desprovidas de sistema judiciário, e por isso mesmo ameaçadas pela vingança que o sacrifício e rito em geral devem desempenhar um papel essencial. Mas é incorreto afirmar que o sacrifício substitui o sistema judiciário. Em primeiro lugar, porque é impossível substituir algo que com certeza nunca existiu, e em seguida porque, na ausência de uma renúncia voluntária e unânime a qualquer violência, o sistema judiciário é insubstituível em seu domínio" (p.32). Em suma, por essa hipótese os hominídeos foram primatas que aprenderam a instrumentalizar a violência mimética, a de um ser desejante sem objeto definido para dirigir esse desejo, que resulta em desejo do desejo de outrem (mimese), inicialmente admirado, depois odiado e, quando morto, novamente lembrado com admiração, aponta para uma origem comum: a descoberta do mecanismo do bode expiatório, mediante o qual a violência, tornada coletiva, é canalizada contra uma vítima expiatória, protótipo dos heróis e divindades, pois na mesma medida em que será odiada, por concentrar a inveja de todos, também será, depois de assassinada, amada, idolatrada, quando reconhecida a sua inocência e a correspondente falta de seus algozes.

            E assim ocorre, em graus diversos, incontáveis vezes todos os dias,  na história da humanidade, sendo um mero exemplo disso a recente consulta para diretoria da ECJ-CCJP-UNIRIO, em que a quase totalidade dos que compõe essa comunidade se sentiu segura de ir contra a Lei, que simbolicamente sempre é a do Pai, justificando-se por um excesso de amor e também de ódio canalizados para os polos em oposição. Situações históricas das mais conhecidas , em que se tem a presença desse “mecanismo vitimário” (Girard), são as condenações e execuções, respectivamente, dos patronos da filosofia e da religião fundadoras do Ocidente, por sobre os alicerces do Direito Romano: Sócrates, em Atenas, e Jesus Cristo, em Jerusalém, à época sob o domínio do primeiro César romano a se declarar Augusto, “divino”.

Um comentário:

  1. Dr.willis. A sua falta de consideração e idéia deturpada do dever de um professor trouxe isso ao senhor.é uma pena que a sua inteligência o cegou para o trato social para com seus alunos. Esperava grandes feitos do senhor,por essa falta.somente lhe chamo de douto. Professor,o senhor nunca foi.Espero, que o senhor entenda que não é, ódio ou raiva, mas sim,decepção. Ao menos de minha parte, esperava ter muitas aulas com o senhor. Boa sorte dr.willis, não desejo nada de mal ao senhor.

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