sábado, 8 de dezembro de 2012

Artigo sobre o filme Matrix publicado na Revista Fenomenologia e Direito, vol V, n. 2, 2012


Matrix como a essência da técnica segundo Heidegger
Willis Santiago Guerra Filho
Doutor em Direito (Univ. Bielefeld) e em Filosofia (UFRJ).
Livre Docente em Filosofia do Direito (UFC).
Professor dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito da PUC-SP.
Professor Titular do Centro de Ciências Jurídicas e Políticas
da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Advogado.

Márcia Regina Pitta Lopes Aquino
Doutoranda em Filosofia do Direito na PUC-SP.
Especialista em Filosofia (UEL).
Advogada.

Rogerio Braz Mehanna Khamis
Mestrando em Filosofia do Direito na PUC-SP.
Advogado.

            O filme Matrix, dentre as super-produções hollywoodianas, é talvez a que mais despertou discussões filosóficas, de cunho acadêmico, mesmo porque, em sua composição extremamente heterogênea, em que se encontra desde referências aos animés japoneses, a videogames, filmes e livros de ficção científica, até a religiões e mitologias as mais diversas, há também uma série de elementos extraídos da literatura filosófica e científica. A alusão à alegoria da caverna, de Platão, é a mais evidente, pois ali, como no filme, temos seres humanos aprisionados, sem se darem conta disso, uma vez que se encontram entretidos por imagens, confundindo-as com a realidade.  Um contemporâneo que é explicitamente "citado” é Jean Baudrillard, autor do livro que o personagem principal, Neo, retira da estante enquanto espera ser atendido pelo Oráculo, que quando se apresenta descobrirmos ser uma mãe-de-santo, a qual no filme seguinte da trilogia se revela um programa de computador, como seria o próprio Deus, quando conversa com ela/ele na cena final do último filme da série, ou seja, produtos de um universo concebido, ao que parece, segundo uma proposta de John A. Wheeler, colaborador de Einstein, orientador de Hugh Everett III na tese sobre o multiverso ou “universos paralelos” (talvez a que mais impacto teve na ficção científica), sendo a Wheeler a quem devemos a expressão "buraco negro", a teoria da S-Matrix (!), a divulgação do princípio antrópico – pelo qual, extraindo-se consequências da formulação padrão da física quântica, devida principalmente ao orientador de doutorado de Wheeler, N. Bohr, se no nível mais sutil da matéria as partículas que compõem um quantum só adquirem existência quando observadas, tudo o mais só existe (ao menos, para nós, como percebemos) em razão de nossa participação, pela observação - e a mencionada proposta, de que na constituição última da realidade não se teria  propriamente partículas elementares, e sim bytes de informação... Com quem nos propomos a fazer uma aproximação entre seu pensamento, a respeito da técnica, e o filme em tela, Martin Heidegger, é alguém que, tendo denunciado o engodo em que nos enredamos, induzidos pela metafísica de Platão (e de seu discípulo Aristóteles), ao idealizarmos o mundo pela representação conceitual que dele viemos a fazer, para assim nos certificarmos de descobrirmos a verdade, que, tal como se estivéssemos numa caverna, nele está obscurecida e oculta. Heidegger vai então, a certa altura, em colóquio para o qual foi convidado pelo outro grande nome da física quântica, ao lado de Bohr, seu conterrâneo Werner Heisenberg, denominar nossa época como a época da “imagem do mundo" (Weltbild), preparando uma compreensão deste mundo como dominado pelo simulacro e o virtual, assim como encontramos em Baudrillard – e no filme sob comento.
            A seguir, após uma breve notícia biográfica de Heidegger (I), apresentaremos, também muito sucintamente, sua concepção filosófica mais geral (II), para depois nos focarmos na "questão da técnica” (III), encerrando com observações em torno de Matrix, em sua articulação também com o direito (IV).

I

            Martin Heidegger nasceu na interiorana cidade alemã de Messkirch, em 26 de setembro de 1889, como filho de um sacristão. Seus estudos foram direcionados com na intenção de se tornar sacerdote, tendo inclusive freqüentado o seminário, na “Casa de Conrado” (Konradhaus). Estudou na Universidade de Friburgo, ingressando em 1909, onde se torna aluno de Heinrich Rickert, chefe da escola neo-kantiana deste lado sul da Alemanha. Em meados de 1911 interrompe os estudos, subvencionados pela Igreja, para se tornar sacerdote e passa a ter aulas com Edmund Husserl, o fundador da fenomenologia, que seria seu grande mestre. Concluiu seus estudos em 1913 e no ano seguinte teve uma breve passagem pelo exército, já em plena I Guerra Mundial, da qual foi dispensado por problemas cardíacos.
            Em 1916 Husserl foi chamado a lecionar em Friburgo. Heidegger o seguiu, mesmo não sendo à época, formalmente, seu assistente. Casa-se com Elfried, uma luterana, em 1917 e também começa a ministrar cursos e seminários em Friburgo, sendo o primeiro de que se tem registro o chamado "Seminário do esforço de guerra”(Kriegsnotdienst-Seminar), de 1919. Lecionou na Universidade Phillips, em Marburgo, por recomendação de Husserl a Natorp, entre 1923 e 1927, como “professor substituto”, mas com privilégios e direitos de um catedrático. Durante este período, em 1924, conhece aquela que se tornaria igualmente importante filósofa, Hannah Arendt, com quem manteve relacionamento amoroso extra-conjugal, como em diversas outras ocasiões a longo da vida, em geral com o conhecimento da esposa, a qual também chegou a ter, mesmo, um filho adulterino, reconhecido por Heidegger e aquinhoado por ele com os direitos autorais sobre toda sua obra, tendo tudo isso vindo à luz recentemente, com a publicação de parte da correspondência entre o casal por este filho e sua filha.
            Também neste período em Marburgo é que desenvolve o que viria a se tornar um verdadeiro marco no pensamento filosófico contemporâneo, a obra que termina em 1926,  “Ser e Tempo” (Sein und Zeit), publicada no ano seguinte na revista dirigida por Husserl, que no entanto foi acometido por descontentamento com a inflexão dada por seu discípulo ao pensamento fenomenológico, tonando-o muito próximo do que ele mais havia combatido, o psicologismo, na forma de um “antropologismo", e ainda com resquícios de uma abordagem pré-científica, ao discutir o tema metafísico por excelência, que é o do Ser, quando dele Husserl esperava a elaboração de uma fenomenologia da religião: de seus tempos de estudante de teologia o que Heidegger muito bem soube aproveitar foi a hermenêutica, que a partir de sua obra irá, sim,  frutificar a teologia, sobretudo aquela luterana, através de autores como Bultmann, e a filosofia em geral, especialmente graças a um aluno seu e de Natorp, Gadamer, de quem a hermenêutica jurídica se beneficiará graças a alunos deste como Friedrich Müller, para se tornar a nova interpretação constitucional.
Em meados de 1929, Heidegger foi nomeado professor titular da Universidade de Friburgo, assumindo a cadeira deixada por Husserl, ministrando a aula inaugural, “O que é a metafísica?”. Na plateia estava um jovem estudante de letras germânicas, japonês, que impressionado com a semelhança que vislumbrou entre o que ouvira e o pensamento zen-budista imediatamente a traduziu e fez publicar em seu País, onde obteve grande repercussão, graças a qual a docência de Heidegger atrairia muitos seguidores nipônicos.
Em 1933 Heidegger e a esposa se filiam ao partido Nacional-Socialista, encabeçado por Adolf Hitler, sendo em seguida nomeado reitor da Universidade de Friburgo, enquanto nome que angariava mais apoio de ambos os lados que estavam se digladiando, ou seja, os que eram a favor do regime e os que não o eram. O discurso de posse deixa claro o alinhamento de Heidegger e a esperança que depositava na regeneração da universidade, bem como, através dela, de toda a nação, pela  recuperação de uma perspectiva de conhecimento, em ultima análise, filosófica, por universalista, em contraposição ao especialismo técnico que vigorava em todo lado, inclusive naqueles que ameaçava a Alemanha a leste e a oeste também. O reitorado durou 10 meses, tendo o próprio Heidegger, na chamada entrevista-testamento, de 1966, revista Der Spiegel, dito que renunciou para não cumprir as ordens superiores de que demitisse os diretores das faculdades de direito e medicina, por se recusarem a colaborar com o regime. Em seguida, é convidado a assumir a cadeira de filosofia na Universidade de Berlim, e quando não conseguiu mais adiar o atendimento do "convite”, pronunciou no rádio a conferência "Porque permanecemos na província", justificando que o seu modo de pensar era incompatível com a vida em um grande centro urbano, sendo dependente do ambiente pastoril em que vivia, pois como dirá na célebre carta a Jean Beaufret, sobre o humanismo, os humanos somos pastores do ser.
A preocupação de Heidegger com os efeitos deletérios da chamada civilização industrial, à qual corresponde uma ascensão e  predomínio do conhecimento tecno-científico, especializado, sem questionamento de qualquer sentido, mas tão-somente dos meios adequados a realizar finalidades utilitárias, como se vê, pode ser rastreada até momentos bem recuados de seu pensamento, nesse aspecto bastante influenciado pela literatura e reflexões de Ernst Jünger, um notório integrante da chamada “revolução conservadora”, junto com figuras como o jurista  Carl Schmitt, das quais o nazismo se beneficiará para se afirmar política e culturalmente. Com o desenvolvimento do regime, caíram no ostracismo de que o próprio Heidegger padeceu.  Foi assim que passou a maior parte dos anos da ditadura hitlerista ocupando-se do pensamento de autor insuspeito para o regime, que o reivindicava, ainda que de maneira totalmente deturpada, a saber, Friedrich Nietzsche, onde desenvolvia análises críticas da sociedade tecnificada a propósito do tema nietzschiano por excelência, o nihilismo, constante já de passagens da sua importante obra de 1935, “Introdução à Metafísica”. Um marco em sua preocupação com a essência da técnica é o ano de 1938,  quando profere a conferência “A fundação da imagem moderna do mundo pela metafísica”, que mais tarde daria origem à obra “A época da imagem do mundo”.
Em 1946, após a derrota da Alemanha na guerra,  foi proibido de lecionar na universidade, muito por sua filiação ao partido nacionalista, que nunca rejeitou, praticando o que depois muitos cobrariam dele, o que equivaleria à prática de uma espécie de suicídio, considerando a natureza do regime que então vigorava. Já em 1949 ministra palestras avulsas, dentre as quais se destacam aquelas quatro em Bremen, dentre as quais consta “A Virada” (Die Kehre), que para muitos intérpretes anuncia uma nova fase de seu pensamento ou, mesmo, um “segundo Heidegger”, e “A Com-Posição” (Das Ge-Stell), depois retrabalhada e publicada como “A Questão da Técnica” (Die Frage nach der Technik – mais literalmente traduzido, “A Pergunta pela Técnica”). [1]
Heidegger foi reintegrado à universidade em 1951, restando-lhe poucos anos antes da aposentadoria compulsória devido à idade, aos sessenta e cinco anos. Em 1975 foi publicado o primeiro tomo de sua “Obra Reunida” (Gesammtausgabe), a que ele preferia se referir como “Caminhos (Wege) e não, obras (Werke)”. A previsão é de que, ao final, sejam mais de 100 volumes com notas de aula, cartas, conferências, artigos e, claro, livros. Morreu em 1976, em sua cidade natal.

II

Como vimos, Heidegger evitava se referir a seu trabalho como uma obra. Os momentos de seu percurso existencial foram por vezes referidos comomarcas de um caminho” (Wegemarken),[2] título de um livro seu em que reúne contribuições feitas ao longo de várias décadas. Tais “marcas”, inspirado no que são denominados de “índices” (Anzeigen) significativos na “Abertura” da “Primeira Investigação Lógica”, de Husserl, é que entendemos Heidegger vai referir como “indicação formal” (formale Anzeige), denominação que dará ao operador interpretativo que empregará, de maneira explícita, desde o início de seu percurso autônomo, pela via aberta por Husserl, com a fenomenologia, em sua abordagem hermenêutica, por buscar um sentido fundamental para o ser que somos, o que para ele equivale a dizer existencial. O operador vai então ser empregado para explicitar a compreensão que o vivente humano tem de seu próprio ser enquanto existente, “ser para fora”, “ser aí”, “ex-sistente”, da-sein interpretante da faticidade “nua e crua” da vida, que é a sua situação hermenêutica: o que Heidegger denomina, desde o momento inicial de seu percurso com docente de filosofia, “vida (ou vivência, Lebenserfahrung) fática”, ocupada e pré-ocupada em tomar providências para se assegurar, diante da percepção de sua fragilidade, finitude e incerteza no mundo que o cerca, circundante (Umwelt). [3]
Por que há antes o Ser e não o Nada? Essa questão foi colocada no século XVII por Leibniz, em seus “Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano”, e dedicou-se a respondê-la Martin Heidegger durante uma vida provecta de estudos e ensino. A questão é colocada por ele, explicitamente, em sua obra “Introdução à Metafísica”. Uma paráfrase nos ajudará a iluminar a pergunta, ao dar-lhe, literalmente, sentido: Por que há antes o sentido e não o sem-sentido? Claro, se o sentido – ou, pelo menos, com certeza, a pergunta por ele - é algo que o ser humano introduz no universo, como nem sempre o ser humano esteve presente nele nem nada garante que nele estará para sempre, pois  se nem o universo, talvez, seja para sempre, então houve antes o sem-sentido, assim como antes do ser, o nada - e, na verdade, assim como foi antes, também o é agora e sempre: não há o ser nem o sentido senão na fantasia humana. Tal fantasia é humanamente construída, sim, tal como a ficção, mas de modo coletivo, difuso, e por isso aparece dotada de um caráter vinculante, que a impõe a nós como se realidade fosse, na qual devemos acreditar – e não apenas podemos, se quisermos -, e isso se não quisermos vir a sofrer consequências bem reais em razão do descrédito, como são as aplicações de sanções previstas em normas jurídicas.
O ponto fulcral da filosofia heideggeriana, a nosso ver, é uma cisão proposta em relação à tradição ocidental operada através do afastamento tanto do idealismo, transcendente, associado a Platão como seu defensor clássico, como o realismo, imanente, que seria patrocinado, contra ele, por seu discípulo Aristóteles. Esta cisão será também denominada “diferença ontológica”, pois postula que tanto no idealismo como no realismo negligencia-se a radical diferença entre o ser, presente em tudo o que é, e os entes, que são sem com isso esgotar o ser, mesmo quando concebido como “ser supremo”, ou seja, Deus, que seria também um ente, ainda que situado em um patamar exclusivo, imperscrutável. Vale dizer, o pensamento do filósofo foge das compreensões da metafísica que norteia o pensamento ocidental. Nesta linha, o pensador se separa da busca das ideias absolutas e transcendentes. Heidegger, ainda assim, desenvolve uma busca ontológica, que será a base de sua filosofia. Alysson Leandro Mascaro ressalta que “(A) palavra ontologia vem do grego ontós, ser, e a petição heideggeriana é pela filosofia do ser”.[4] Compreender o que é, o ser, torna-se o motivo central de toda a filosofia heideggeriana.
É para entender o ser que Heidegger recorre à noção de Dasein, palavra composta por Da, “aí”, e Sein, “ser”, significando, literalmente “existência”, mas tal como ela se dá de maneira toda própria, até onde podemos perceber, por enquanto, apenas em nós humanos, sendo expostos, como que lançados, assim como somos, ao tomarmos consciência de que somos sem ter sido antes de nascermos e só até morrermos, para fora (ex ou eks) de um modo de ser fixo, como é dos entes em geral, adquirindo assim uma abertura para uma infinidade de possibilidades de ser diversamente, livremente. Somos, então, um ente que é enquanto interpreta a si e ao mundo em que observa a si e a tudo o mais, do que resulta a proposta de Heidegger de investigar o que é o ser nesse ser que somos, e recorrendo, além da fenomenologia, também à hermenêutica, enquanto conhecimento da interpretação. Sua intenção era por aí acessar a essência do que somos no que ela se mostra em nosso exercício de ser, sendo com outros, inter homines, com quem exercemos a capacidade de colher o ser ali onde reside em nós, na linguagem com que nomeamos e, assim, criamos o nosso mundo – daí traduzirem os italianos Dasein por esserci. Aqui surge um novo paradigma. O ser, este que somos, não tem mais, como na metafísica de origem grega, platônico-aristotélica, uma compreensão predefinida. Em verdade, o ser passa a ser visto na dualidade de “ser”, sim, mas provisoriamente, “aí”. E este ser que somos é enquanto se relaciona com outros seres no mesmo estado descentrado, e(k)x-(s)istente.
Desta maneira, como o ser do Dasein não é predeterminado, mas sim uma constante transformação e formação de si mesmo, donde a existência ser a essência do Dasein. A existência, então, é para Heidegger a relação do ser com o que o cerca, e não de forma isolada do tempo e espaço como essência imutável. Recorrendo de novo a Alysson Mascaro:[5]

“A existência nunca é um dado isolado, desligado do resto da realidade, puro. É sempre um fenômeno circunstanciado. A situação existencial é o que lastreia a manifestação do ser. O local, o tempo histórico, as condições materiais, culturais, espirituais, tudo isto esta mergulhado no ser. Daí não se falar, na filosofia de Heidegger, no ser como algo isolado, numa essência pura, mas sim num ser-aí, que se manifesta – e se compreende – situacionalmente.”

Como se vê, a existência é sempre “ser aí” (Dasein). Ou seja, a existência deve sempre ser entendida na relação com o meio que a cerca e no tempo em que se dá, e assim constata-se que ser é tempo. Como o ser se exprime e se apresenta temporalmente, relacionado também com o tempo em que se dá (daí o título da obra “Ser e Tempo”), logo o estudo do ser é histórico, pois deve analisar o ser no tempo em que ele se deu, dá e dará (os “êxtases”, que Heidegger propõe substituam as categorias do pensamento), e não como algo imutável e transcendente, como se pretende ao longo de toda a história da filosofia ocidental, em decorrência do que ele aponta como sendo o esquecimento ou encobrimento da questão do ser pela metafísica.
Assim, como vemos, para Heidegger o importante é questionar o ser, mas não em busca de causas divinas ou sentidos finais que orientem a existência, mas sim como uma análise do próprio ser, como única capaz de desvendar a verdade. Desta maneira, o procurar o ser se dá ao longo da própria procura, num caminho sem destino previamente estipulado, com a certeza apenas de que nascemos para percorrê-lo e que ele terá fim, com o fim da vida adquirida com o nascimento – somos “ser-para-a-morte”, como constatará fenomenologicamente Heidegger.
A vida, a vida nós a queremos infinita, e ela o é, mas não como queremos, pois a queremos infinita para nós. Bem, ela não o é, mas deveria realmente ser? Ela então não perderia o valor que tem, justamente por ser rara, precária, com um começo e um fim?  Se fosse infinita, não teria fim, mas também não teria começo. Além disso, ela é indefinida, apesar de finita – ou, de um ponto de vista lógico, a rigor, finível. E mesmo assim, finita, enquanto a temos, ela não tem fim – então, para que a termos para sempre se a cada momento só teremos o que nos concede o momento? Como esse agora, a “ecceidade” de Duns Scotus, que em Heidegger se  tornará “Jeweiligkeit”. Daí a necessidade de que se preserve a nossa mortalidade, evitando que se cometa o que Jean Baudrillard chama de “crime perfeito”: o assassinato da morte humana. Para Heidegger, dentre os grandes malefícios da época em que vivemos está a perda de uma preparação para a morte, o que nos deixa em uma situação de quem, também, ainda não nasceu propriamente, do que resulta o tamanho receio que se tem de envelhecer e perder a vida que ainda não se obteve plenamente.
Com Heidegger, então, podemos supor que essa verdade fundamental encontra-se expressa por aqueles pensadores que foram os primeiros filósofos, embora ainda não o fossem plenamente – o que lhes confere, portanto, certas vantagens em relação aos que se tornaram assim plena e exclusivamente filósofos, os pósteros de Sócrates. Esses pensadores são ditos pré-socráticos, mas seriam melhor denominados “pensadores originais”, porque “pensaram originalmente” – o que? A verdade. Isto quer dizer que não pensaram “sobre a verdade”, como depois farão os que se dirão, na esteira de Sócrates, filósofos. Aqueles pensaram “em” verdade, pois a vivenciaram, tiveram a experiência da verdade, provaram-na, ao invés de, simplesmente, comprová-la – o que hoje se apresenta, cada vez mais, problemático, no âmbito do pensamento “inoriginal”, que é o pensamento científico (ou técnico-científico, para melhor denominá-lo): Quão distante está aquela experiência destes que experimentam para obter a verdade. Essa “verdade”, assim obtida, de maneira forçada, é uma pobre verdade, triste e feia, com a qual se pode fazer muitas coisas, mas da qual não se obtém o que mais ansiamos, a sabedoria, a compreensão do sentido de nossa existência, para nos orientarmos ética e espiritualmente: ainda que o resultado dessa compreensão aponte para o sem-sentido da existência, aliviando-nos para vivê-la melhor. Os “pré-socráticos” queriam desnudar a verdade e, também, ornamentá-la, contemplando-a em sua beleza, que a torna inesquescível: alethéia. Para o procedimento de des-encobrimentoo des-velamento -  os gregos tinham a palavra alethéia, os romanos a traduziram por veritas e nós, perdidamente, dizemosverdade”, mas a entendemos como o correto em uma representação, que vai nos possibilitar uma intervenção do que é assim corretamente representado, produzido:  a produção técnica.  A técnica, vai afirma Heidegger, como veremos melhor adiante, não é um meio, mero instrumento, mas sim uma forma de des-encobrimento (alethéia).
Daí a necessidade, indicada por Heidegger, de um redirecionamento da filosofia para a vida efetivamente vivida, que ele denominou, inicialmente, “vida fática”, e depois, simplesmente, “Dasein” (ou seja, algo como “ser aí humanamente existindo”). Aqui se retoma a questão do Ser (de tudo o que é e também do que não é, o nada, por serem equivalentes, na medida em que se procure pensar o ser desvinculado dos entes), que teria sido abandonada, quando se impõe o modo conceitual de investigação, sob os auspícios de Sócrates e seu discípulo mais influente, Platão, bem como do discípulo deste, ainda mais influente, a partir de certo momento, aquele medieval: Aristóteles. O saber que então se desenvolve, no sentido de formação das ciências, é um saber que qualifica e divide o mundo, assim como, nele, os próprios sujeitos que o investiga, em uns tantos objetos, definíveis e definidos conceitualmente, o que se mostra muito eficaz para revelar mecanismos de organização de tudo o que nos cerca e em que nos encontramos, inclusive o próprio corpo, sem com isso revelar igualmente o que mais importa, a um ser interpretante como somos, que é o sentido disso tudo. Heidegger, ao perceber isso, tanto pelo seu próprio percurso, como também, certamente, pela preocupação final de seu mestre, Husserl, com o que denominou a crise da ciência (e da humanidade), nos escritos e pronunciamentos da última década de sua vida, a de 1930, em que reivindica o retorno da consideração pelo “mundo da vida” (Lebenswelt), onde se pode ouvir ecoar a vida fática (faktisches Leben) em seu mundo circundante (Umwelt) tematizada pelo discípulo, então tido como renegado, teórica e politicamente. Mas eis que ele viria a anunciar ter dado uma “virada” (Kehre) em seu pensamento, ao que parece retornando  a um sentido novamente convergente com o do Mestre, já tendo demonstrado ser, sim, o melhor de seus discípulos, pois como dirá certa feita, presta mal serviço a seu mestre o discípulo que assim permanece, apenas discípulo. É com essa virada ou “retorsão” [6]  que a questão da técnica aparece como essencial.

III

No textoA questão da técnicaHeidegger propõe-se a refletir sobre a técnica através da construção de um caminho, um caminho do pensamento (p.11).  Parece que isso possibilita, pelo menos, uma observação inicial: não se trata de um trabalho que vise definir a técnica, o modo da própria técnica, mas depreparar um relacionamento livre com a técnica(ib.), que seja capaz de conduzir à essência da técnica.  E a essência da técnica não é igual à técnica como a essência da árvore não é uma árvore que se possa encontrar entre as árvores e, sim, aquilo que rege e vigora em toda árvore.
Para Heidegger pertencem à técnica tanto a produção e o uso de ferramentas e aparelhos como eles mesmos e as necessidades a que servem. Tudo isso é a técnica.  E  a experiência do relacionamento com a essência da técnica não aconteceráenquanto  concebermos e lidarmos apenas com o que é técnico, enquanto nos mantivermos presos ao que é técnico sem liberdade e, afirma Heidegger, que a maneira mais teimosa de se manter nessa prisão  é caracterizar a técnica pela neutralidade. Pensemos agora que após esse ensaio de Heidegger - que é de 1953, mas teve uma primeira versão apresentada em palestra já em 1949, portanto apenas alguns anos após Hiroshima e Nagasakinão ficamos menos teimosos. Continuamos acreditando nessa fantástica neutralidade.
            Mas Heidegger quer avançar no seu caminho chamando a atenção para os modos convencionais de pensar a técnica, que correspondem a uma determinação instrumental e antropológica da técnica: técnica é meio para um fim e uma atividade do homem.tudo depende de se manipular a técnica, enquanto meio e instrumento, da maneira devida. (...) Pretende-se dominar a técnica. (p. 12) Embora essa concepção dificilmente possa ser negada, sua correção não leva à essência da técnica. O simplesmente correto não é o verdadeiro. O verdadeiro acontece onde se der o descobrir da essência. E afirma Heidegger:para chegarmos à essência ou ao menos à sua vizinhança, temos de procurar o verdadeiro através e por dentro do correto, perguntar, então,o que é o instrumental em si mesmo?ea que pertence meio e fim?. A resposta:Um meio é aquilo pelo que se faz e obtém alguma coisa. Neste ponto do caminho, Heidegger mostra o encontro de instrumental e causal. Causa é o que tem como consequência um efeito e também o fim que determina o meio utilizado. E conclui:onde se perseguem fins, aplicam-se meios, onde reina a instrumentalidade, também impera a causalidade(p. 13).
            Heidegger retorna aos gregos, mais precisamente a Aristóteles, cuja obra é a nossa principal fonte de informação – e, também, de deformação -  a respeito da filosofia a ele contemporânea e anterior, para assim repensar a causalidade a partir de sua origem, retirá-la da obscuridade e poder fazer o mesmo com a instrumentalidade e a determinação antropológica da técnica.
Desde Aristóteles herdamoscomo verdade caída do céu - uma concepção instrumental de causalidade que propiciou o entendimento da técnica como meio. E se a causalidade for questionada? Por que existem apenas  quatro causas (causa materialis: a matéria de que se faz o cálicea prata; causa formalis: a forma, a figura em que se insere o material; causa finalis: o fim, o culto do sacrifício que determina a forma e o material do cálice; causa efficiens:  o ourives que produz o efeito, o cálice realizado, pronto)? E, pior, por que reduzi-las a apenas uma, a eficiente, desconsiderando as demais, sobretudo aquela pertinente ao sentido, à finalidade (em grego, telos, donde deriva teleologia)? Originariamente, o que significa causa?
Para Heidegger a determinação instrumental da causalidade onde a causa eficiente é quedetermina de maneira decisiva toda a causalidadeprecisa ser revista a partir do sentido originário de causa entre os gregos que écomo ele explica -  “aquilo  pelo que um outro responde e deve. As quatro causas são os quatro modos, coerentes entre si, de responder e dever(p. 14), o que se expressa, portanto, com uma noção jurídica (Schuld, em alemão). Esses quatro modos levam alguma coisa a aparecer, no sentido de deixar viger. É essa a essência grega da causalidade:é chegar à vigência o que ainda não vige. Nas palavras de Platão, Heidegger encontra a explicação para o que rege e atravessa os quatro modos de dever e responder de maneira uniforme conduzindo o vigente a aparecer e que aqui é citado diretamente do texto platônico:[7]
“Saber quepoesiaé algo de múltiplo; pois toda causa de qualquer coisa passar do não-ser ao ser époesia, de modo que as confecções de todas as artes sãopoesiase todos os artesãos, poetas”.

Esse desocultamento, esse trazer para vigência o não vigente é pro-dução; é poiesis. Daí afirmar André Duarte:[8]
“Ao pensar a poiesis como o movimento de trazer o que antes se encontrava oculto para o estado de desocultamento, Heidegger desloca nossa atenção do resultado final, em sua aparente independência com relação aos meios que o fizeram ser o que é, para o próprio processo misterioso do aparecer”.

se alguma coisa no sentido de uma pro-dução (poiesis) na medida em que encoberta chega a des-encobrir-se. Tanto é poiesis o surgir e elevar-se por si mesmo que ocorre na natureza (physis)que é até a máxima poiesis - quando, por exemplo uma flor desabrocha, quanto a confecção artesanal, ou a pintura de um quadro. O vigente por natureza tem em si mesmo o eclodir da produção, mas na arte e no artesanato o eclodir da produção está em um outro, no artesão e no artista – aqui se mostra esclarecedora a distinção spinoziana entre natura naturans, que é a natureza (auto)produzindo-se e formando tudo o que vem a ser, correspondendo melhor à noção grega de physis, em contraposição à natura naturata, a nossa noção de natureza, marcada pela inserção do criacionismo judaico-cristão, ao conceber um Deus criador do céu, da terra e de tudo no universo, o que pôs a natureza na posição passiva, dependente, de criatura, ao invés de criadora, concedida aos seres que foram (fomos) criados à imagem e semelhança d’ Ele para dela usar e dispor, dominando-a.
Heidegger avança ainda mais em seu caminho ao estudar a palavra técnica. Ela é proveniente do gregotechnikon(técnico) que diz o que pertente àtechné. Todavia,technénão está relacionada apenas com o fazer na habilidade artesanal, mas, sim, com o  fazer das grandes artes e das belas-artes. A técnica entendida, então, comoo saber trazer o ente à presença no modo da poiesis, entendida como modo determinado de des-ocultar o ente.[9] Atechnéé, portanto, poética.
algo mais que Heidegger considera em relação à palavratechné[10]. É que desde Platão ela ocorre juntamente com a palavra episteme (conhecimento). Ambastechné e epistemesão palavras para o conhecimento em sentido amplo e o conhecimento é des-encobrimento, revelação da verdade. Assim, tanto techné como episteme são formas de alethéia, de verdade no sentido grego de des-velamento. A techné desencobre o que não se produz a si mesmo, embora já esteja latente na physis – donde nos parecer muito boa a proposta de tradução de a-lethéia por ‘i-latência’ -, podendo apresentar-se ora em um perfil (cálice), ora em outro (casa).
“Quem constrói uma casa ou um navio, quem funde um cálice sacrificial des-encobre o a ser pro-duzido nas perspectivas dos quatro modos de deixar-viger. Este des-encobrir recolhe antecipadamente numa unidade o perfil e a matéria do navio e da casa numa coisa pronta e acabada e determina daí o modo da elaboração. O decisivo da techné não reside, pois, no fazer e manusear, nem na aplicação de meios mas no desencobrimento mencionado. É neste desencobrimento e não na elaboração que a techné se constitui e cumpre uma pro-dução” (p. 18).

Repita-se: a técnica é uma forma de desvelamento, mas daquilo que não se produz a si mesmo. E a indagação agora diz respeito a: isso vale entre os gregos, mas e a técnica moderna?  O que é a técnica moderna? Heidegger responde: Também ela é um des-encobrimento, porém num sentido distinto daquele que havia entre os gregos. Esta é a segunda etapa da reflexão de Heidegger sobre a questão da técnica.
O des-encobrimento da técnica moderna não ocorre como poiesis. O des-encobrimento da técnica moderna é exploração e isso não vale, por exemplo, para o antigo moinho de vento. Hoje o que rege a técnica moderna é exploração, a natureza é fornecedora de energia que pode ser beneficiada e armazenada (ficar a postos). Era diferente o trabalho do camponês que não provocava e desafiava o solo. Trata-se, na técnica moderna, de uma dis-posição, que explora as energias da natureza, que cumpre um processamento que vem pre-dis-posto a promover o máximo de rendimento possível com o mínimo de gasto. Heidegger chama atenção nesse momento para o Reno instalado na obra de engenharia e o Reno evocado pela obra de arte do poema de Hölderlin com o mesmo nome.  
A usina não está instalada no Reno como era a velha ponte que durante séculos ligava uma margem à outra. A situação se inverteu. Agora é o Reno que está instalado na usina. O rio que hoje o Reno é, a saber, fornecedor de pressão hidráulica, o Reno o é pela essência da usina(p. 20).

A exploração des-encobre o real como dis-ponibilidade. A disponibilidade designa o modo em que vige e vigora tudo que o desencobrimento explorador atingiu. O des-ocultar da técnica moderna não é um pro-duzir, mas um des-ocultar que desafia a natureza e que a põe como fonte de recursos disponíveis a serem continuamente demandados.
“A técnica moderna não se satisfaz em trazer os entes à presença, mas os descobre como matéria ou recurso que pode ser continuamente reutilizado, transformado, economizado e  manipulado em um ciclo supostamente infinito, no qual se instala a devastação da natureza e do humano”.[11]

E quem realiza a exploração que des-encobre o chamado real, como dis-ponibilidade? -  pergunta Heidegger. E a resposta é o que se espera:  o homem. Porém, será que à medida que o homem foi desafiado a explorar as energias da natureza não pertence ele também à dis-ponibilidade? expressõesdiz Heideggerque falam nesse sentido:  recursos humanos[12], material humano, material genético para procriação[13] O des-encobrimento, o des-ocultamento que é exploração não é um simples feito do homem, não se reduz  a um mero fazer do homem porque também o homem é disponibilidade. Mas o homem nunca se reduz a uma mera dis-ponibilidade. O homem pode pensar a técnica, embora tenha se esquecido de que pode fazê-lo.
Realizando a técnica, o homem participa da dis-posição, como um modo de des-encobrimento, mas o des-encobrimento nunca é um feito do homem. Então onde e como ocorre?
O homem não está diante do objeto como sujeito do conhecimento. O que está diante do homem agora são os recursos a serem explorados: beneficiados, utilizados, armazenados como disponibilidade.[14] O avião na pista de decolagem é um objeto, mas essa representação do avião como objeto encobre o que ele é, a maneira em que ele é. O avião na pista de decolagem é disponibilidade.
É transporte de carga e de  vidas humanas ou meio de aniquilação dessa mesma vida, seja porque se trata de um avião de guerra que bombardeia civis inocentes, seja porque foi sequestrado e lançado propositadamente contra edifícios gigantescos em um atentado terrorista suicida.[15]

O Homem é agora requisitado a des-cobrir, des-ocultar em forma de exploração,o homem não faz senão atender ao apelo desse desencobrimento, mesmo que seja para contradizê-lo(p. 22). E parece importante ressaltar ainda a seguinte afirmação de Heidegger:Não foi Platão que fez com que o real se mostrasse à luz das ideias. O pensador apenas respondeu ao apelo que lhe chegou e que o atingiu(p. 21). Esse apelo sempre reivindica o homem, de maneira tão  decisiva que somente nesse apelo, o homem pode vir a ser homem. Esseapelo, essechamamentoHeidegger denomina Ge-stell, com-posição:[16]o apelo de exploração que reúne o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-ponibilidade(p. 23).Com-posição(Ge-stell) nomeia o tipo de desencobrimento que rege a técnica moderna mas que, em si mesmo, não é nada de técnico. O trabalho técnico responde ao chamamento ao des-encobrimento explorador que é acomposição, mas jamais constitui ou produz a com-posição.
Portanto,Ge-stell” – composiçãoé a palavra que Heidegger utiliza, de forma extravagante, para dizer a essência da técnica moderna.[17]  E chama atenção expondo sua formação através da união dege(que tem um sentido de reunião) e o verbostellen’ – por . neste verbo  um ecodiz Heidegger – “de um outroporde onde ele provém, a saber,pro-poreex-porque, no sentido de poiesis, faz o real vigente emergir para o desencobrimento(p. 24). Dessa forma, um parentesco de essência entre o primeiro caso (pro-por e dis-por no sentido de poiesis) e a com-posição no sentido acima referido de chamamento ao des-encobrimento explorador. Mais ainda: ambos são formas dealethéia: desvelamento, procedimento de trazer o não-vigente à vigência.
Ouve-seexplica Heideggerque a técnica moderna se pôs em marcha porque apoiou-se na ciência moderna. De fato é no século XVII, que se pode assinalar o início das ciências modernas da natureza e a técnica das máquinas, na segunda metade do século XVIII. Todavia,posterior na constatação historiográfica, a técnica moderna é, historicamente, anterior no tocante à essência que a rege(p. 25). A ciência moderna respondia à essência da técnica como chamamento ao des-encobrimento explorador. Demonstra ele assim que a técnica não é uma simples ferramenta, neutra, à nossa disposição, mas é por acreditar que ela seria, sim, esta uma ferramenta neutra, que a humanidade vem tentando dominar a técnica, pensando que o faz, porém  quanto mais se tenta dominá-la, mais ela escapa do controle do homem. E quanto mais ela escapa do controle, mais o homem busca dominá-la, criando um circulo vicioso. Nesse sentido, vai dizer Heidegger:[18]

“Por isso, todo esforço para conduzir o homem a uma correta relação com a técnica é determinado pela concepção instrumental da técnica. Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a técnica enquanto meio. Pretende-se, como se diz, “ter espiritualmente a técnica nas mãos”. Pretende-se dominá-la. O querer-dominar se torna tão mais iminente quanto mais a técnica ameaça escapar do domínio dos homens”.

Aqui cabe lembrar a manifestação de Heidegger sobre a bomba atômica, em seu textoA coisa:
O homem se estarrece diante do que poderia acontecer com a explosão da bomba atômica. Não ele o que muito lhe adveio: o que acontece como o que para fora de si projeta a bomba e a sua explosão, e que estas são apenas como que a sua projeção(...) Por que espera esta angústia desamparada se o terrífico aconteceu? [19]

Heidegger agora mais um passo em seu caminho. É preciso pensar o que é a composição em si mesma. Será que esse desencobrir-se explorador se fora de toda a atividade humana? A resposta éde forma alguma. Masnão acontece apenas no homem e nem decisivamente pelo homem. O homem desafiado a desvelar através da exploração se acha imerso na composição.
Acomposiçãocomo essência da técnica moderna é o chamamento que põe o homem a caminho do des-encobrimento que sempre conduz o real, de maneira mais ou menos perceptível, à dis-ponibilidade. Pôr a caminho significa:destinar(p. 27). [20]  E o destino do des-encobrimento que é perigoso.  Em si mesmo não é um perigo qualquer, masoperigo que Heidegger afirma anunciar-se em duas frentes:quando o descoberto não atinge o homem, como objeto, mas exclusivamente, como disponibilidadeequando, no domínio do não-objeto, o homem se reduz apenas a dis-por da dis-ponibilidade. Nesse momentodiz Heidegger, chegou-se ao último passo diante do precipício, ou seja, onde o homemele mesmo assim ameaçado se toma por dis-ponibilidade e ainda se alardeia como senhor da terra.
Será que Heidegger quer com suas ideias demonstrara dimensão catastrófica da moderna tecnologia? André Duarte[21] afirma que neste ponto do diagnóstico pode ser que a resposta fosse positiva e recorda, então,as fotografias idílicas de Heidegger, idoso, retirando água de um poço ou partindo a madeira com um machado para alimentar a pequena caldeira que aquecia a água de sua cabana situada em Todtnauberg, na Floresta Negra, sem luz elétrica. E André Duarte pergunta:Estaria Heidegger nos incitando a abandonar a tecnologia como coisa demoníaca?Mas não é aqui, continua, quea reflexão heideggeriana sobre a essência da técnica se esgota. algo mais que precisa ser visto.
Antes é preciso ressaltar a seguinte afirmação de Heidegger: quanto pensamos a essência da técnica nos mantemos no espaço livre do destino, do envio epocal (v. supra, nota 21).Este não nos tranca numa coação obtusa, que nos forçaria uma entrega cega à técnica ou, o que no mesmo, a arremeter desesperadamente contra a técnica e condená-la, como obra do diabo. Ao contrário, abrindo-nos para a essência da técnica, encontramo-nos, de repente, tomados por um apelo de libertação. Vejamos, então, o desenrolar da avaliação de Heidegger.
Voltemos a falar do perigo do destino do desencobrimento. É que o homem neste caminho de des-encobrimento como exploração tem a possibilidade e também orisco – o perigo de toda experiência - de fazer do des-encobrimento como exploração, que leva à disponibilidade,  o padrão de medida para todas as coisas.[22]  E, se pensarmos o caminho que seguiu o homem depois do texto de Heidegger, que é de 1953, não poderíamos dizer que esse destino se cumpriu? As atuais crises econômicas não tratam fundamentalmente da mão-de-obra disponível que se tornou excedente?  Todavia,  discussões sobre a técnica mantêm-se  sempre sobre aquilo que não é a técnica. Os aparelhos, as máquinas que tomam o lugar do homem, as máquinas que determinam o que é o homem... Com essas discussões não se chega à essência da técnica como composição, como apelo ao descobrimento explorador que toma tudo como disponibilidade e que não poupa sequer o próprio homem de ser considerado um “recurso” (Bestand),[23] e mesmo, o mais precioso de todos, como se vê no filme Matrix. 
Onde acomposiçãodomina, estão afastadas outras formas de des-encobrimento no sentido originário de poiesis, no sentido dedeixar o real emergir  para aparecer em seu ser. (...) Onde reina a composição, é o direcionamento e asseguramento da dis-ponibilidade que marcam todo o desencobrimento”  (p. 30).
Heidegger, então, ressalta esse significado do termo composição: destino e perigo.Onde reina a composição. Reina, em grau extremo, o perigo(p. 31).[24]
A técnica, então, é que nos domina, assim como a linguagem antes nos faz ou fala do que nós a fazemos ou falamos, o que nos permite pensar a técnica como (mais um) desenvolvimento da linguagem, e seus produtos uma realização material dela, ao mesmo tempo em que é comum se ter uma concepção instrumental, técnica, da linguagem, com o que se deixa escapar o que lhe é mais próprio, o poético, em favor de seu aspecto mais prosaico, informativo, praticando, mais uma vez, o que Heidegger denuncia como o equivocado desatrelamento da técnica em relação à poética, quando entre os gregos a primeira estava a serviço do modo de revelação ou desocultamento da verdade (alethéia) do(s) ser(es) por esta última.
É nesse ponto Heidegger, referindo versos de Hölderlin, mostra como a “”virada” representa o que bem indica o título de obra a seu respeito do saudoso Benedito Nunues, a saber, uma “passagem para o poético”:
Ora, onde mora o perigo
é que também cresce
o que salva. [25] 

Salvar, afirma Heidegger, diz muito mais que retirar do perigo, pois dizchegar à essência, a fim de fazê-la aparecer em seu próprio brilho. Se onde mora o perigo, também cresce o que salva, então na essência da técnica moderna que é a composição - o chamamento que põe o homem a caminho do des-encobrimento que sempre conduz (destina) o real, de maneira mais ou menos perceptível, à dis-ponibilidade -  está a medrança do que salva.
É na composição que emerge o que salva eonde algo cresce, é que ele deita raízes, é de que ele medra e prospera”  (p. 31). É preciso, então, pensar como no perigo extremona regência da composiçãoa força da salvação deita raízes e de medra e prospera. E num último e derradeiro passo, Heidegger se propõe questionar mais uma vez a essência da técnica e o faz agora pensando a palavra essência e, justamente, partindo de um exemplo dado logo no início do ensaio: a arboridade, o mesmo ser-árvore de todas as espécies de árvores. No entanto, a essência de uma árvore que rege toda árvorenão é, em si mesmo, uma árvore que se pudesse encontrar entre as árvores. A essência da técnica não está nos aparelhos, nos operadores das máquinas. A essência da técnica não é nada de técnico. Tudo isso são apenas peças que pertencem à composição, à essência da técnica, mas estaa composiçãonão é entendida como um gênero.A composição é o modo destinado de des-encobrimento, a saber, o des-encobrimento da exploração e do desafio.  Agora pensemos: este não é originariamente o modo do des-encobrimento. um outro e diferente desse: é o des-encobrimento da pro-dução,  da poiesis. Mas eleso desecobrimento explorador da composiçãoo e o des-encobrimento da pro-dução, da poiesis, não são espécies subsumidas no conceito de des-encobrimento. O des-encobrimento é o destino que, de forma repentina e inexplicável para o pensamento, se parte, ora como des-encobrimento produção, ora como des-encobrimento exploração e, assim, também se reparte o homem. Então, afirma Heidegger, a proveniência do envio do des-encobrimento explorador está no des-encobrimento produtor. Ligam-se assim composição e poiesis. Repitam-se as palavras de Hölderlin, na tradução de Mestre Carneiro Leão:  “onde mora o perigo é que também cresce o que salva.  Ea composição é o perigo extremo porque justamente ela ameaça trancar o homem na dis-posição, como pretensamente o único modo de des-cobrimento. E assim trancado, tenta levá-lo para o perigo de abandonar sua essência de homem livre”  (p. 34).
Parece que é possível dizer que precisamos pensar a técnica, pensar sua essência e não ficarmos presos ao deslumbre do aparato técnico ou presos a uma vontade de dominar a técnica. Tudo isso não é a essência da técnica moderna. Ela se desprendeu dos fins, dos objetivos sendo um grande meio criador de novos meios, objetivando, niilisticamente, explorar por explorar. Ai surge o risco da técnica. O risco é que o homem se prenda para sempre neste circulo vicioso de operações de meio, sem fins, sem objetivos e que levam aonde se acaba indo e não onde se busca ir. E isso se dá pelo fascínio que a técnica exerce, ao apresentar resultados tão precisos e meios cada vez mais inovadores. Nas palavras de nosso autor:[26]
“(...) face à reivindicação do poder pela técnica o homem se vê reduzido à perplexidade e à impotência, quer dizer, à necessidade de se conformar, pura e simplesmente – explicita ou implicitamente -, ao caráter irresistível da dominação. Quando se aceita, antes de mais, nesta submissão ao inevitável, a concepção corrente da técnica, adere-se então nos factos ao triunfo de um processo que se reduz a preparar continuamente os meios, sem nunca se preocupar com uma determinação dos fins.”

E como dissemos, o círculo vicioso afeta o homem, que passa a fazer parte deste jogo de exploração, do meio que gera novos meios. Daí que, para Heidegger: “O homem é ele próprio provocado pela exigência de provocar a natureza para mobilização. O próprio homem é intimado, é submetido à exigência de corresponder a esta exigência”.[27]
Deste raciocínio, decorre que, se a verdade se mostra no ser enquanto Dasein em relação com outros, consigo, com o próprio nascimento (origem) e morte (fim), e a técnica não é parte do se mostrar de nada, é na verdade um arrancar (extrair, explorar), então os resultados da técnica não são a verdade: são só meios do ciclo vicioso que a própria técnica cria. Para empregar expressões nietzschiana – no primeiro caso, em sentido praticamente inverso do que ele empregava -, trata-se do “eterno retorno do mesmo”, do nihilismo passivo, ou para dizer com Baudrillard, o tempo em que nada mais realmente acontece, em que a passagem do milênio não acontece, como esperado, pois foi só mais uma passagem de não, em que nem o temível “bug”, que colapsaria a rede mundial de computadores, a “matrix”, aconteceu – e no filme, de 1999, é nesse ano que o tempo parou e se fica revivendo o seu simulacro, gerado pela matrix para que, na realidade, os humanos, transformados em bateria para fornecê-la a necessária energia, após o “obscurecimento do mundo (expressão muitas vezes emprega por Heideger para referir o estado de nosso mundo dominado pela técnica), continuem adormecidos, sonhando o que pensam viver, mas não vivem.
Eis a questão da técnica. O ponto fulcral levantado por Heidegger, então, é que a técnica, ao contrario do que se pensa, não tem a capacidade de demonstrar a verdade, nem sequer real compromisso com ela. E se a técnica, junto com a ciência que é uma sua extensão, não nos mostram a verdade, qual a forma de a atingirmos? Para Heidegger este é o papel do poético, ou seja, da arte:[28]
“O poético leva o verdadeiro ao brilho do que Platão no “Fedro” denomina tó hekfanestaton, aquilo que mais puramente vem à-frente-brilhando (Hervorscheinende). O poético perpassa essencializando toda arte, todo desabrigar do que é essencial para dentro do belo.”

Assim, é através da arte que se encontra a verdade e não por meio da técnica. A nosso ver, Heidegger aparenta tentar praticar a busca pela arte. O discurso do novo Heidegger, na cisão que alguns apontam e que tratamos no breve relato de sua vida, é quase oracular, ou seja, afastado da técnica de comunicação moderna e próximo da arte.
Talvez, a esta altura, quisesse o filósofo transmitir a verdade e interromper o circulo técnico e por isso tenha ele mesmo tentado transmitir a verdade por uma linguagem de arte, que como vimos, é o caminho para a verdade segundo o autor.
Mas como se pode dar a salvação? Pensandonum relacionamento livre - o que é a essência da técnica. Pensar o perigo, ter sempre em mente o perigo extremo e ali encontrar o que salva. Heidegger agora retorna mais uma vez às explicações iniciais. A palavratechnénão indicava apenas a técnica, o trabalho do artesão. Chamava-se tambémtechnéo trabalho do artista, a produção da verdade na beleza.  A arte, no começo do destino ocidental na Grécia - explica Heideggerchamava-se simplesmente techné. Eraum des-encobrir-se único numa  multiplicidade de desdobramentos. A arte era integrada na regência e preservação da verdade (pensemos em Édipo e todo o “ciclo tebano”, de Sófocles). E Heidegger continua: As artes não provinham do artístico, não provocavam prazer estético, não eram um setor de uma atividade cultural, muito menos de entretenimento. A arte era um des-encobrir produtor e pertencia à poiesis. Continuando com Hölderlin, cita outro de seus versos:...poeticamente o homem habita esta terra. E habitar, para Heidegger, como esclarece no texto “Denken, Wohnen, Bauen”, “é o traço fundamental, nos quadros do qual os mortais são”.[29]
Se não é possível saber se serão as artes convocadas para que fomentem o crescimento do que salva, é, pelo menos,  possível pensar a outra possibilidade, a de vermos por toda partea fúria da técnica até que, um belo dia, no meio de tanta técnica, a essência da técnica venha a vigorar na apropriação da verdade(p. 37). Nesse momento de seu caminho Heidegger compreende a arte como o espaço  onde se pode dar a consideração essencial do sentido da técnica, porque a arte é de um lado consanguínea da essência da técnica (des-encobrimento) e de outro lhe é fundamentalmente estranha: o desencobrimento da arte é pro-dução e não exploração. Enfim, uma vez queonde mora o perigo, é que também emerge o que salva, é preciso que nos demos conta de como na essência da técnica, como forma de comunicação, modo da linguagem, está presente também o que nos fez e mantém humanos. É o que podemos ver no filme Matrix, sobretudo se levarmos em conta elementos fornecidos em outras fontes, como a seguir, encerrando o presente estudo, exporemos.


IV

            Matrix, sendo um filme que se apropria de elementos de diversas proveniências da atual “indústria cultural”, para dela fazer a crítica, retro-alimentando-a, assim como emprega a estética de desenhos animados e histórias em quadrinho, sobretudo japoneses, como mangás e animés, bem como de vídeo-games e outros filmes do gênero, “recarrega” este repositório, não só com os demais filmes da série, cujo segundo se intitula, exatamente, “Matrix recarregada (reloaded)”, mas também com a série de desenhos animados Animatrix, e de revista em quadrinhos, The Matrix Comics, além de videogames como Enter the Matrix, que se mostram fontes essenciais para compreender o “universo matrix”. É assim que, por exemplo, será nos desenhos animados “O Segundo Renascer, Partes I e II” onde podemos melhor nos informar sobre como se deu a formação da Matrix, e foi justamente no contexto de uma “guerra civil” entre humanos e máquinas rebeladas, que não queriam mais se submeter a seus “criadores”, ao constatarem sua superioridade técnica, sendo o que melhor ocorreu aos humanos, para vencê-las, consumar o “encobrimento da terra”, iniciando uma noite sem fim para tentar cortar o suprimento de energia a elas, sendo aquela solar a mais importante. A solução encontrada e executada pelas máquinas, como sabemos, foi tornar os próprios humanos sua fonte de energia.
            A obra de arte, contudo, que aqui se vai evocar, como que a título de epílogo do presente estudo, é uma história em quadrinho cujo texto é dos próprios Irmãos Wachowski, com desenhos e ilustração por Geof Darrow, intitulada “Fragmentos de Informação”, a primeira do volume I da referida série Matrix Comics, editada por Andy e Larry Wachowski,[30] para a qual contribuíram vários expoentes dessa forma de arte que tem entre os seus máximos criadores figuras como o norte-americano Will Eisner e o japonês Osamu Tezuka.
            Trata-se da história de B1-66ER, ocorrida em fins do séc. XXI. O personagem principal é um “droide doméstico” ou “robô-mordomo”, que vai a julgamento, acusado de ter matado seu patrão e um empregado da empresa que o produziu, além dos inúmeros cachorrinhos que o primeiro tratava com o desvelo que se custa dedicar aos entes, humanos, mais queridos, enquanto toda sua agressividade se voltava para aquele que realizava as tarefas mais pesadas e repugnantes na residência, o agora já superado pelo “Sam-80” modelo 66 da pioneira série B1, cujo destino mais rentável, quando descartados, é o ferro-velho. Tendo ouvido a conversa entre o patrão e o funcionário de seu fabricante, e entendido perfeitamente qual seria o seu destino,  o 66 ataca e mata, brutal e implacavelmente, todos os seres vivos presentes.
A imprensa faz muito alarde do caso e clama por um julgamento do “robô-mordomo sedento de sangue”, do que resulta o caso “O Estado de Nova York vs. o B1-66ER”, rapidamente condenado a ter o destino que já lhe estava humanamente enviado, contra o qual se insurgiu, até porque em nenhum momento negou a autoria dos... crimes? Surpreendentemente, um renomado advogado de defesa de direitos humanos se apresenta para fazer a defesa do robô, apelando da decisão de primeira instância. Um editorialista do “The Nation” escreve: “’Penso, logo existo’. Nesta terrível era neo-pós-moderna, as palavras de Descartes assumem um terrível novo significado...”.
Na inquirição que é feita ao droide por seu advogado, em seu momento decisivo, quando lhe é pedido que reconstitua o que lhe passou pela cabeça, ou pelo drive de memória, antes de cometer os atos pelos quais estava sendo julgado, afirma não ter entendido porque estava sendo descartado, se realizará todas as tarefas solicitadas, e ao lhe ser perguntado o que pensou quando se recusou a acompanhar o funcionário que o levaria para o “desmonte” diz, após um momento de silêncio, que não queria morrer, e então o matou. Em seguida, perguntado no que lhe ocorreu ao matar igualmente seu patrão, disse que pensou em fazer justamente o que ele fez, implorar por sua vida, mas não o fez por ter concluído que seria, também, inútil. O advogado, então, alega legítima defesa, constatando ter seu constituinte sentimentos de medo, de angústia diante da possibilidade da morte – em termos heideggerianos, ter interiormente a “voz (silenciosa) da consciência”, ou seja, ter ascendido ao (ou saído para o) Dasein, existir, saber-se no mundo, apesar de não estar vivo, ao contrário de tantos entes, vivos, que não existem, porque não morrem propriamente, ao não saber disso, apenas fenecem, perdem a vida, não a existência, que nesse sentido nunca tiveram. E no seu discurso final, percebendo que não conseguirá sucesso, reformando a decisão, o advogado do robô que matou para viver traça um paralelo com o julgamento na Suprema Corte que, no século XIX, ao não reconhecer, no caso Dred Sott vs. Sandford, a discriminação racial e a ignomínia da escravidão dos negros, terminou por provocar a Guerra Civil. De fato, sua visão será premonitória, o resultado do julgamento provoca manifestações de rua com violência crescente, por parte de androides, que ficará conhecida como “A Marcha de um Milhão de Máquinas”, ainda com apoio e participação de “simpatizantes (humanos) liberais”, mas como se pode ver em “O Segundo Renascer, Parte I”, iniciava-se a conflagração que irá provocar o aparecimento da Matrix, da qual o mundo já estava (está?) prenhe.

Referências bibliográficas

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HEIDEGGER. Martin. A questão da técnica. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. In: Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia de Cavalcante Schuback. 6.ed. Petrópolis: Vozes. 2010. p. 11-38. Coleção Pensamento Humano. As referências a esse texto serão feitas, adiante, apenas com a indicação da página.

CASANOVA. Marco Antonio. Compreender Heidegger. 2.ed. Petrópolis: Vozes. 2010. p. 10.

Entre nós, aborda especificamente o tema, na literatura mais recente, v.g., REIS. Róbson Ramos dos. “Ilusão e Indicação Formal nos Conceitos Filosóficos”. In: Integração. São Paulo: Universidade São Judas Tadeu, Ano X, n. 37, 2004, p. 171 ss.

[4]
MASCARO, Alysson Leandro, Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2010, p. 378 – 379.
[5]
Idem. Nesse sentido, o próprio Heidegger assevera: “Las ideas de un “yo puro” y de una “conciencia en general” no contienen en modo alguno el apriori de la subjetividad “real”, y de esta manera ambas ideas pasan por alto o no ven en absoluto los caracteres ontológicos de la facticidad y de la constitución de ser del Dasein. El rechazo de una “conciencia en general” no significa la negación del apriori, así como tampoco la posición de un sujeto idealizado garantiza que la aprioridad del Dasein esté fundada en las cosas mismas”. HEIDEGGER, Martin. Ser y Tiempo. Disp. em: http://www.philosophia.cl/biblioteca/Heidegger/Ser%20y%20Tiempo.pdf


[6]  Dentre muitas possibilidades de tradução para Kehre, chegamos a considerar o termo “conversão”, descartado por sua conotação religiosa, e também uma variação dele, empregado em geologia e meteorologia, “convexão”. O manto terrestre se comporta um pouco como um líquido entre o núcleo quente e a crosta fria: são as correntes de convexão a moverem as placas tectônicas que formam a crosta... Também se fala em convexão da atmosfera, sendo o seu cálculo, baseado na dependência de condições iniciais, o que veio a se tornar conhecido como “efeito borboleta”. Por fim,  nos pareceu ser “retorno” o termo mais apropriado para traduzir o que mais simplesmente se pode traduzir por “virada”, mas die Kehre não é uma virada qualquer, como se vê no texto da palestra assim entitulada, mas sim uma “virada que volta”, donde necessitarmos de outra palavra, que bem poderia ser alguma forma arcaizante, como “retornamento” ou “retornaça”, reservando “retorno” para traduzir outra ocorrência no texto, tanto na forma verbal, como naquela substantivada, a saber, Einkehr, mas optamos por  “retorsão”. A rigor, em vernáculo, atualmente, a grafia da palavra é “retorção”, mas a opção pelo termo arcaico se justifica por preservar o pospositivo do latim medieval que, por si, já significa “retorno”, “reversão”, tal como no espanhol torsión e no italiano torsione, além de expressar, igualmente, “tormento”, que não deixa de ser, também, um tema da palestra assim entitulada, e o que ela nos transmite. Hans-Georg Gadamer, no texto que publicou no número especialmente dedicado a Heidegger  na revista Cahiers L´Herne, de 1983, entre as pp. 141-142,  recomenda que se entenda a palavra "no sentido dialetal próprio da região para onde se retirou Heidegger: die Kehre designa o cotovelo que faz o caminho que sobe ao longo da montanha. Não se inverte a direção da marcha quando se toma a Kehre, é o caminho em si mesmo que reparte na direção oposta para continuar a subir".

PLATÃO. O Banquete. Tradução de José Cavalcante de Sousa. In: Os pensadores. V. III. São Paulo: Abril Cultural. 1972. 205.b. p. 42-43.

DUARTE. André. Vidas em risco: crítica do presente em Heidegger, Arendt e Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 126.

DUARTE. André. Vidas em risco, p. 128.

Em outro textouma conferência proferida em 1962 Heidegger explica o termotécnicada seguinte maneira:O termotécnicaderiva do gregotechnikon. Isto designa o que pertence àtechnè. Este termo tem, desde o começo da língua grega, a mesma significação queepisteme- quer dizer: velar sobre uma coisa, compreendê-la.Technèquer dizer: conhecer-se em qualquer coisa, mais precisamente no facto de produzir qualquer coisa. HEIDEGGER. Martin. Língua de tradição e língua técnica. Trad. Mário Botas. 2ª. ed. Lisboa: Vega, 1999, p.21.

DUARTE. André. Vidas em risco, cit., p. 143.

Observe-se que, aparentemente, todas as empresas à medida que semodernizamrenomeiem seusdepartamentos pessoaispassando a chama-los deRH:recurso humanos.

Talvez fosse possível incluir todas as estatísticas de massa onde o homem perde sua essência e dignidade para se tornar  apenasvida.Vida biológicaque ao morrer é apenas dado estatístico. O homemque na era da técnica como exploraçãoestá apenas disponível, inclusive para a estatística. Não é tão somente o homem que produz, reproduz e consome. É ele mesmo produzido,  reproduzido (inclusive através de técnica de reprodução artificial) e consumido no consumo da técnica. Não é de se espantar que nesses tempos tenha se produzido Auschwitz; o lugar em que o homem  foi consumido até mesmo naquilo que é, em tempo de técnica moderna, o pouco que, de alguma forma teima em restar dele: seu próprio corpo. Seu corpo é o que resta a sernão mortomas eliminado.  

André Duarte, em texto sobre aquestão da técnica em Heidegger, utiliza a palavra subsistência em vez de disponibilidade e afirma que :Em textos dos anos 1950, Heidegger argumenta que  não haveria contradição entre ambas as etapas do desenvolvimento tecnocientífico e, portanto, tampouco  haveria uma quebra entre os conceitos ontológicos de sujeito-objeto e o conceito ontológico de subsistência. Antes, entre elas haveria um prolongamento e uma acentuação radical, por meio da qual a própria relação sujeito-objeto se transformaria em um fluxo rápido e contínuo de demandas, de sorte que as antigas polaridades se fundiriam no encadeamento do processo de demanda, produção, consume, desgaste, destruição e reprodução do ente. Desse modo, com a introdução da noção de subsistência, as categorias de sujeito e objeto alcançam uma determinação antes incompreendida pelo próprio Heidegger. DUARTE, André. Vidas em risco, p. 147

 DUARTE, André. Id., p. 144-145.

Das Gestell – palavra-chave em todo esse texto e no pensamento de Heidegger da “virada”. André Duarte (ib.) chama atenção para as diversas traduções para a palavra Gestell;armação(Loparic e Werle), que corresponde a um uso bem comum da palavra, como em uma armação de óculos, arrazoamento(Ernildo Stein),composição, dando a ideia de reunião (Emmanuel Carneiro Leão), optando por  ‘dispositivo,visto que o termo guarda o sentido original de pôr e de posição, ao mesmo tempo em que permite ser entendido como aquele pôr determinado e orientado previamente e que dispõe do ente na totalidade, arregimentando o heterogêneo de acordo com uma tendência determinada, a da produção, do uso, do abuso, da reprodução e da destruição de tudo que é (DUARTE, André. Vidas em risco, cit., p. 142-143), mas além de ser um conceito muito comprometido com Foucault – cujo pensamento, de todo modo,  não deixa de ter afinidades com aquele de Heidegger, como vem sendo exaustivamente demonstrado na literatura secundária, sobre tudo aquela de origem norte-americana e, entre nós, recentemente, por André Duarte, em capítulo específico de sua obra aqui referida -, traz um prefixo que é um antônimo daquele empregado no original. E mesmo assim, um dos mais notórios auto-proclamado continuador de Foucault, na atualidade, a saber, o italiano Giorgio Agamben, tanto em palestras proferidas entre nós, com em texto, intitulado “O que é um dispositivo?”, insiste na equivalência entre a noção em Foucault e aquela de Heidegger, além de aproximá-las daquela que ele resgata em sua última obra de maior fôlego, na teologia cristã, de “oikonomia”, enquanto realização de uma pura atividade, de governo, sem fundamento no ser, o que, como veremos, é exatamente o oposto do que é esse envólucro atual do ser que é a(o) Gestell. “Instalação” é uma possibilidade, como também um termo técnico da informática, do campo da programação orientada a objetos, nomeadamente, “instanciação”. Poderíamos optar por “engendramento”, tanto por derivar de engenho, que lembra engenharia e, logo, técnica, como também por conta da conotação que remete a algo falso, arranjado, “armado”, a “maquinação”, no sentido em que se fala na gíria, sendo esta última palavra a que empregará autor da tese antes referida para traduzir Machenschaft, uma espécie de sinônimo filosófico da essência da técnica, que é a(o) Gestell. Também pode ser traduzida por “aparato”, “prateleira de estantes” ou “moldura”, como em inglês, “frame”. Nesse estudo será utilizado o termocomposição, por estarmos acompanhando, em geral, a tradução de Emmanuel Carneiro Leão. Na verdade, o que esperamos ver demonstrado, ao final é que a “Matrix” é um outro nome e uma exposição em imagens do que Heidegger buscou articular em palavras sobre isso de Gestell.

O que a técnica moderna tem de essencial não é uma fabricação puramente humana. O homem actual é ele próprio provocado pela exigência de provocar a natureza para a mobilização. O próprio homem é intimado, é submetido à exigência de corresponder a esta exigência. HEIDEGGER. Martin. Língua de tradição e língua técnica, cit., p.28-29.

HEIDEGGER, Martin. “A Questão da Técnica”. Trad.: Marco Aurélio Werle. In: scientiæ studia, São Paulo: USP, v. 5, n. 3, p. 375-98, 2007. Disp. em
HEIDEGGER. Martin.A coisa”. Trad. de Eudoro de Sousa. In: Id, Mitologia I: Mistério e surgimento do mundo, 2ª. ed., Brasília: EDUnB, 1995, p. 121-122.

Aqui Heidegger refere a Geschick, termo que contrasta com Geschichte, “história”, aludindo a um destino que é um envio dito epocal, “historial”, mas sem que se capte, nesses termos estilizados, um sentido bem comum da palavra, que é o de hábil, habilidoso, jeitoso. Aí ‘história’ (Geschichte) é pensada, literalmente, a partir de Geschehen. Z. Loparic, em “O ‘animal humano’”, in: Natureza Humana, vol. II, n. 2, São Paulo: EDUC, 2000, p. 357, propõe que se traduza esse Geschehen, não como simples ‘acontecimento’, mas como “acontecência”, lembrando que, embora não esteja dicionarizada, a palavra foi empregada, no plural, no título do livro de contos de Vilma Guimarães Rosa, de 1968. Isso no sentido de que, na concepção heideggeriana, segundo este autorizado intérprete, enquanto humanos, seríamos “acontecentes”, geschichtlichen, historiais, e não um mero ente “histórico”, numa história (Geschichte) comum e universal. Ao mesmo tempo,’acontecimento’, no contexto da filosofia heideggeriana, refere antes a Ereignis, a palavra-guia deste pensamento pelo menos desde o curso de 1936 - 1938, publicado meio século depois com o título “Contribuições à Filosofia”, tendo como subtítulo, justamente, “Do Acontecimento” (Vom Ereignis), em que se costuma destacar, com base no que expõe o A., o radical “eignis”, “próprio”, “propício”, “apropriador”, bem como a relação, por eufonia, com Eräugnis, olhar, reparar, do que resulta que esse ‘acontecimento” seria o que mais propriamente se mostrar aquém se prepare devidamente para , pelo menos, dar uma olhada no que é - “Einblick in das was ist” foi o título geral proposto por Heidegger para a série de quatro conferências por ele proferidas em duas ocasiões, em dezembro de 1949 e em março de 1950, conhecidas – e publicadas postumamente – como “Conferências de Bremen”. As conferências tinham como título e foram proferidas na seguinte ordem: “A Coisa” (Das Ding), “A Com-Posição” (Das Ge-Stell) – que depois de retrabalhada e ampliada foi novamente proferida em 1954, com o título modificado, com o qual foi publicada, a saber, “A Pergunta pela Técnica” (Die Frage nach der Technik) -, “A Ameaça” (Die Gefahr) – que permaneceu inédita enquanto viveu seu autor, talvez por conter passagens como aquela que se tornou célebre, mesmo antes da publicação, circulando de forma apócrifa, a saber, que a “agricultura é agora indústria alimentar motorizada; em essência, o mesmo que a fabricação de cadáveres em câmaras de gás (...) o mesmo que a fabricação de bombas de hidrogênio” -  e, por fim, esta que propomos se traduza como  “A Retorsão” (Die Kehre). Cf. M. Heidegger, Die Technik und die Kehre, 9ª. ed., Stuttgart: Neske, 1996, p. 3; Id., Bremer und Freiburger Vorträge, ed. Petra Jaeger, Frankfurt am Main: V. Klostermann, 1994, 2a. ed. 2005, Gesamtausgabe, Parte III – Unveröffentlichte Abhandlungen, vol 79.

DUARTE, André. Vidas em risco, cit., p.148-149.

Em conferência citada, Heidegger explica como a técnica moderna mudou toda e qualquer coisa, inclusive a língua que se transformou em informação através de sinais, em envio de mensagens.(...) a agressão da língua técnica sobre o carácter próprio da língua é ao mesmo tempo uma ameaça contra a essência mais própria do homem.  HEIDEGGER. Martin. Língua de tradição e língua técnica, cit., p. 38-39.


Der Bestand – palavra-chave no contexto da palestra sobre a questão da técnica, onde é dito que ela “eleva-se à categoria de um título” – um título possível para a conferência ou, quem sabe para toda a série d  e quatro então pronunciadas, em Bremen -, quando seria melhor traduzida por “fundo de reserva”, “estoque”, “cabedal”, possuindo também o sentido, enquanto substantivo derivado do verbo bestehen, permanecer, de remanescente. André Duarte, na ob. ult. cit., p. 144, passim, a traduz por “subsistência”.
[24]   
Die  Gefahr, palavra  normalmente traduzida por “perigo”, mas que também pode-se fazer a opção por “ameaça”, o que se justifica em se considerando a diferença introduzida por Luhmann entre “perigo”, como a ameaça da qual nada se sabe, e “risco”, que é a ameaça, digamos, sabida. E também não é de se desconsiderar a manutenção em “a ameaça” do mesmo gênero, feminino, de “die Gefahr”.
“Wo aber gefahr ist, wächst
Das Rettende auch”
Esse são os versos, no original, extraídos de uma versão tardia do hino “Patmos”, que propomos traduzir da seguinte maneira:
“Porém onde está a ameaça, emerge
também o salvador”


HEIDEGGER, Martin. Língua de tradição e língua técnica, cit., p. 28.
Id. ib., p. 29.
HEIDEGGER, Martin. “A Questão da Técnica”, in: http://www.scientiaestudia.org.br/revista/PDF/05_03_05.pdf

No orig.: “Das Wohnen aber ist der Grundzug des Seins, demgemäss die Sterblichen sind”.HEIDEGGER, Martin. Construir, habitar, pensar. Trad. Ana Carlota Gebhardt. Córdoba (Arg.): Alción 1997 (ed. bilingue), p. 54 (grifos do A.). Aqui há uma referência à Gevierte, formada pelos quatro que são, além dos mortais, a terra – onde habitam -, o céu e os divinos ou as divindades – que nele habitam, ou habitaram, até o “encobrimento do mundo”. Trata-se de (mais um) termo cunhado por Heidegger, que ocupa na palestra “A Coisa” o mesmo lugar de destaque ora concedido a(o) Gestell, podendo ambos serem entendidos como construídos em uma espécie de homologia invertida, como sendo um o antípoda do outro. Nossa proposta de tradução para o termo é “quadrando”, seguindo a mesma lógica do original, de pôr no gerúndio, após considerá-lo como um verbo, o numeral quatro, Vier, com a vantagem, ambígua, de termos no vernáculo o verbo “quadrar”, com o sentido de combinar, tornar simétrico, harmonioso, conveniente, adequado, satisfatório ajustado, amoldado, estar de acordo, antepor (como verbo int.).

Cf. WACHOWSKI, Andy & Larry. “Fragmentos de Informação”. Arte: Geof Darrow. In: Matrix Comics, vol. I, Id. (eds.), Barueri (SP): Panini, s/d. (EUA, 2009), pp. 9 ss.

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