sábado, 8 de dezembro de 2012

Entrevista para a Revista da Universidade Anhembi


28 de Abril de 2011
Entrevista com Dr. Willis Santiago Guerra Filho  (acrescentar dados pessoais)
Entrevistador (Prof. Belmiro Patto, UEM): Como um dos muitos problemas que vimos enfrentando em nossas grades curriculares, a filosofia pode-se dizer: vai bem ou mal? A sua avaliação é no sentido de que há tempo suficiente para o ensino desta disciplina como disposta hoje nos cursos de direito?
Willis: Eu acho que a situação não é boa não! Já foi pior, ou poderia ser pior ainda, ou seja. Por um lado há hoje em dia tem cada vez um maior reconhecimento da importância da filosofia do direito, no direito. E especialmente nesta aliança com o direito constitucional. Eu diria que a concepção atual do direito constitucional, também chamada de neo constitucionalismo, aponta claramente para uma valorização da filosofia. Quer dizer, a base de renovação do pensamento jurídico a partir do direito constitucional, não foi o próprio direito constitucional e sim um enfoque filosófico do direito, a partir do direito constitucional. É aí que estão, se bem situados estes assim chamados pós positivistas como o Dworkin, e o Alexy. São na verdade filósofos que pensam o direito a partir do seu fundamento constitucional e portanto, o sucesso justo eu diria, deste tipo de pensamento evidencia a importância da filosofia para o direito, além da preocupação e ocupação de filósofos em geral que têm se dedicado ao direito. É o caso do Jürgen Habermas, Michel Serres, apenas para citar entre os vivos, dois dos mais importantes dos quais eu também acrescentaria o nome do Giorgio Agamben que é formado em direito, inclusive. No caso do Agamben, de certo modo foi até mais fácil. Ele hoje em dia se apresenta, desde sempre no cenário filosófico não como um jurista que faz filosofia, mas sim um filósofo que tem formação jurídica que, sem dúvida, o ajudou a escrever obras como estas da série Homo Saccer, que é fundamental! Que é fundamental na atualidade. É agora o que eu vejo, por outro lado, do ponto de vista da grade eu penso que a presença da filosofia deveria ser maior. Então sabemos que tem esta célebre discussão sobre o momento em que se deve introduzir a filosofia do direito na grade curricular, se é já no início para oferecer os elementos básicos para reflexão ou seria no fim quando  então depois de feito quase todo o curso aí sim o estudante teria elementos suficientes para fazer a reflexão de cume que é a reflexão filosófica. Eu penso que a filosofia deva aparecer em todos os momentos da formação, da boa formação do estudante de direito. No começo, no meio e no fim, ao longo de todo o percurso, de maneiras diferentes, é claro! Nas mais diversas formas que a filosofia apresenta. No inicio ela vai se apresentar num modo mais epistemológico uma espécie de uma teoria fundamental do conhecimento jurídico, não é? Uma introdução ao conhecimento jurídico como sempre, como toda introdução ao conhecimento tem uma conotação filosófica! E depois nós vamos, deveríamos ter disciplinas dedicadas a matérias filosóficas ou filosófico-juridico como e hermenêutica, a argumentação, a lógica jurídica e a própria filosofia do direito em si mesma. Por que ela não poderia ter uma seqüência como tem as matérias dogmáticas? Por que não uma filosofia do direito, um, dois, três e quatro? Já que temos um direito civil um, dois, três e quatro! Direito penal um, dois, três e quatro! Processual... enfim! Eu penso que a importância da filosofia para o direito, costumo dizer, é tão grande quanto a importância da matemática para a engenharia. Então, um curso de direito com pouca filosofia, a meu ver, é o equivalente a um curso de engenharia com pouca matemática! Ou seja, é o caminho certo para o desastre.
[Risos entre entrevistador e entrevistado]
Entrevistador: Em um dos seus textos mais recentes o senhor aborda a questão dos café filosóficos. Esta pratica poderia ser adotada nos cursos de direito como forma de despertar os estudantes para outras perspectivas que a filosofia seria capaz de produzir?
Willis: Ah! Sem dúvida! Este texto foi publicado numa edição especial do jornal: O Estado de Direito em memória ao meu muito querido amigo e muito importante filósofo do direito que compartilhado com a Argentina que é o Luis Alberto Warat, notadamente falecido no mês de dezembro do ano passado. Inclusive ele estava, ele vinha praticando esta modalidade de animação; literalmente animação, de discussões filosóficas, e eu penso que isso é muito importante hoje em dia, ou seja, a gente precisa sair finalmente, em algum momento, deste modelo, digamos assim eclesiástico, professoral, medieval ainda de dar aula, de lecionar, de pré-lecionar, quer dizer é ridículo a gente querer ainda apresentar alguém, algum ser humano como uma fonte de um conhecimento que, nós sabemos, que hoje em dia circula por muitas outras fontes e redes literalmente pelas...pelas sobretudo redes mundiais de informação. Então a gente precisa urgentemente encontrar o melhor lugar, o melhor modo de aproveitar da presença física, do contato pessoal para o desenvolvimento de algo que só assim se obtém. Para se ter uma qualidade de produção do conhecimento com o frescor que deve ter na medida em que se realize no encontro e não, seja trazido para o encontro já previamente, feito, pronto e acabado como um café que muitas vezes sequer chega a ser requentado e fica portanto, intragável. Então é preciso juntos, fazermos e tomarmos o café do conhecimento, este poderoso estimulante para nós, afinal de contas, juntos, desenvolvermos o conhecimento que se mostre necessário naquele momento. O estudante precisa sentir a necessidade do encontro com o professor, com os outros, com os colegas, precisa entender a importância daquele momento. E se aquele momento for transformado num momento de uma mera transmissão por meios que sequer pode competir com aqueles que hoje em dia se está acostumado a ter, como são os meios de comunicação de massa, os filmes, as encenações com os recursos hoje disponíveis, então a gente definitivamente não vai sair da crise em que estamos e não estamos reconhecendo que nela estamos. Porque na verdade precisaríamos mudar o modo de desenvolver esta relação pedagógica! Então muitas vezes, como no início da semana aconteceu, eu propus aos alunos que continuássemos a aula em um ambiente mais agradável e em condições mais favoráveis a continuarmos após duas horas e meia já de, de contato da sala de aula, que seria em um café, em um restaurante, em um bar, em um outro local, mas seria uma continuidade, ainda, do que vínhamos fazendo e talvez até com uma maior intensidade mas infelizmente talvez por serem alunos da graduação eles sabem que eu estava brincando, era uma brincadeira talvez, mas, muito séria. Felizmente na pós-graduação quando já temos um aluno com uma maior maturidade, estas brincadeiras são levadas a sério e a gente consegue, como você bem sabe, ter esta extensão do nosso trabalho para um ambiente que nem por isso deixa de ser favorável ao bom desenvolvimento do conhecimento. Aliás, Platão no seu ultimo diálogo publicado sobre tema jurídico que inclusive se chama: As Leis, refere-se explicitamente como sendo o banquete o local mais propicio para  a produção e reprodução do conhecimento. Então, na verdade, não se trata mais do que retomar antigas lições, isso que estamos aqui a propor.
Entrevistador: Professor quais são seus objetos de pesquisa atuais?
Willis: Eu no momento venho me dedicando a desenvolver o que espero que possa vir a se tornar uma, uma perspectiva digamos assim, verdadeiramente pós positivista em teoria do direito. Eu entendo que aquilo que eu próprio  ajudei a apelidar assim aqui em nosso país por exemplo em, em aquilo que publiquei em 1985 na Revista Nomos de Mestrado em Direito da Universidade Federal do Ceará, na época inclusive editada por mim, denominado: Pós modernismo, Oh! desculpa! Pós modernidade, pós positivismo e a filosofia do direito. Na verdade é o texto de uma palestra que eu ministrei em vários lugares em que termina relatando o que eu vinha desenvolvendo ao longo já dos anos 80 quando eu fui fazer meu doutoramento na Alemanha; depois que retornei aqui para o Brasil, logo em seguida. E naquele momento a gente referia como pós positivismo como, hoje em dia e, até muito tempo aqui a gente se refere aqui no Brasil, e mesmo fora daqui, autores como o Robert Alexy que não, diga-se de passagem, denomina assim, qualificam assim o seu pensamento. Ou seja, o Robert Alexy ou, o Dworkin (Ronald) que é uma das influências importantes em Alexy não são autores que se apresentam mas, que ou pelo menos não denominam assim as suas propostas teóricas . Quem chegou a denominar um termo similar ao pós-positivismo a sua teoria foi o Friedrich Müller, autor da teoria estruturante do direito que ele qualifica de Nach Positivistischen, ou seja, não seria, não seria propriamente pós positivistas como se diria em alemão, mas seria após positivista, uma teoria que segundo ele, como ele, no prefácio de sua obra fundamental da teoria estruturante do direito anuncia, desenvolveu esta obra e este pensamento em homenagem a Kelsen, fazendo então uma grande homenagem que se deve, que se pode fazer a um pensador importante, que é justamente procurar superá-lo. Neste sentido seria uma teoria pós kelseniana digamos assim. Eu penso, portanto, que nós ainda estamos em busca desta superação, sobretudo se considerarmos o Kelsen que de certo modo já foi pós kelseniano, pelo menos na medida em que já foi alguém que pensou para além da Teoria Pura do Direito na segunda e, ao que tudo indicava inclusive para ele, definitiva versão de seu pensamento teórico. Culminando, inclusive, movimento que, aliás, vale lembrar, de certo modo este ano pode-se comemorar seu centenário na medida que a primeira elaboração mais bem feita desta importante teoria se deu com a publicação de sua livre docência intitulada: Hauptprobleme der Staatsrechtslehre, ou seja, Problemas Fundamentais da Teoria do Estado em 1911, então Kelsen em 1960 publica a segunda edição da Teoria Pura, como é bem conhecido, porém, não, não encerra aí a, o seu questionamento como pessoa dedicada ao pensamento tal como ele era. Então nós temos, como eu gosto de enfatizar, que para mim é um gancho importante justamente para estas novas pesquisas sobre o que estamos aqui conversando, quando ele então já após publicação da segunda edição da Teoria Pura do Direito, (daqui por diante TP), retifica um conceito fundamental do seu pensamento que é justamente aquele conceito de norma fundamental, que ele apresenta como hipotética na segunda edição da TP e já antes, esta norma fundamental seria uma norma hipotética fundamental numa condição transcendental do conhecimento jurídico como ele também apresenta em termos Kantianos, a esta norma da segunda edição teoria pura, só que aí ele se dá conta de que, se é assim, ela não é uma norma! Uma norma não é um conceito, uma norma não pode ser uma hipótese, uma norma, nos próprios termos dele, é o resultado de um ato de vontade, é o sentido de um ato de vontade e não havendo um ato de vontade correspondente a normal fundamental ela não poderia ser uma norma, também não poderia ser uma hipótese porque hipótese é algo que se confirma como verdadeiro ou falso e, portanto, não é um atributo segundo a própria teoria kelseniana, que se pode referir às normas e sim às proposições normativas. As normas são validas ou inválidas, as proposições normativas é que podem ser verdadeiras ou falsas. Portanto ele se dá conta, que ainda não tinha atingido um conceito satisfatório deste conceito fundamental do seu pensamento normativo, normativista, e aí faz uma proposta que terminou, curiosamente, não entrando no cânone kelseniano, não sendo bem aceito pelos próprios discípulos, pela própria escola kelseniana, a escola de Viena. Que é a idéia de que esta norma seria de se qualificar, a norma fundamental, como fictícia, como uma ficção no sentido da teoria da ficção que ele mesmo refere de Hans Vaihinger, deste pensador que produz uma curiosa combinação de filosofia Kantiana com Nietzsche. Então, nós tivemos inclusive já a oportunidade, de ter um de nossos mais próximos colaboradores desenvolvendo no mestrado este diálogo implícito entre Kelsen e esta vertente de pensamento que, mesmo sendo kantiana mas, leva à Nietzsche; trata-se do Henrique Garbeline esse que inclusive colaborou comigo na atualização da segunda edição da minha Teoria da Ciência Jurídica e que para o doutoramento está aprofundando estes estudos. Então aí nós temos esta abertura para uma abordagem, já a partir do próprio positivismo em sua versão mais acatada e padrão que é a de Kelsen, uma abertura para um desenvolvimento daquilo que podemos chamar de uma concepção poética do direito. E é interessante que também neste momento, que é um momento em que Kelsen desenvolve os estudos pós segunda edição da TP, digamos assim, e isto está bem, isto está consubstanciado em uma obra póstuma chamada: Teoria Geral das Normas que tem uma tradução, aqui para nosso idioma do saudoso professor paraibano Florentino Duarte, José Florentino Duarte. E ali é muito interessante como Kelsen também recupera, é bom que se destaque, que a filosofia de Vaihinger já tenha sido usado por Kelsen em 1905 para discutir os problemas das ficções jurídicas, ele esta de certa forma, retomando meio século depois algo que já estava o início de sua carreira teórica. E também ele retoma nestes estudos finais que estão subscontanciados na obra Teoria Geral das Normas, algo que ele também já havia feito no passado nesse período inicial do seu labor científico, que é uma aproximação entre o direito e a religião; afinal ele publicou um livro que chama justamente: Deus e o Estado. Um livro que terminou se mostrando uma importante fonte para um outro autor que, este sim, se notabilizou mais do que ele por explorar estes vínculos entre o direito e a religião que é Carl Schmitt com a sua Teologia Política. Ora sabemos que Schmitt é um autor que se desenvolve muito no diálogo com Kelsen e, um dos temas fundamentais deste diálogo é exatamente este, que Kelsen inicia quando publica a obra: Deus e o Estado. Então, Kelsen no final de sua vida, neste período final, me parece, fornece já uma série de elementos para ir além dele mesmo e com ele em grande parte, que é a esta relação entre direito e religião. Hoje em dia, eu estou muito preocupado em trabalhar dentro destas linhas fundamentais de aproximação do direito com religião e com a poética.
Entrevistador: Bom, o senhor poderia explicar mais detalhadamente o que vem a ser a po(i)ética e como tal perspectiva pode ser frutífera para o direito?
Willis: A Poética é uma disciplina filosófica que remonta a Aristóteles. O Tratado da Poética, fundamental, da lavra deste que é um dos autores do cânone filosófico padrão de pensamento ocidental. Uma obra que, segundo um estudo que, a meu ver, ainda não mereceu a devida atenção por parte dos estudiosos da filosofia do nosso país, um estudo feito por Olavo de Carvalho, um autor que de algum modo sofre com um certa estigmatização por um lado e, por outro lado também, não deixa de ter o seu secto de seguidores e admiradores, mas o Olavo tem uma obra em que ele procurar reavaliar o pensamento de Aristóteles a partir da Poética. Penso que aí nós temos realmente uma chave para ser utilizada também para reavaliar o pensamento teórico, igualmente do campo do direito, considerando aquela faculdade um tanto quanto desprezada tradicionalmente, que é a faculdade da imaginação. Que é a faculdade da imaginação! E aí, da mesma forma, penso que se na Antigüidade, e mesmo na Idade Média, porque foi uma obra redescoberta, foi a obra que foi redescoberta mais tardiamente dentre aquelas que compõem o corpus aristotélico, esta da Poética, e ela vai ter uma enorme influência, portanto, sobre a Idade Média e da Renascença, a baixa Idade Média e mesmo a Renascença. Já na Modernidade eu destacaria uma obra de um autor que para a Modernidade de certo modo representa o que representou para o período anterior Aristóteles, que é Kant. Kant tem também uma terceira crítica, a Critica da Faculdade de Julgar, que ele inicialmente chegou a pensar em denominar de: a Crítica do Gosto; uma obra que é apresentada como fundadora da estética, mas que trata de um assunto que podemos, isso que eu penso, devemos também, introduzir na discussão da temática jurídica. Hannah Arendt já fez em sua última obra, The Life of the Mind, a proposta de, a partir desta obra (Kant) pensar a política e, do que se trata, portanto, é de estender a proposta arendtiana para pensar aquele produto, digamos assim, dos mais importantes da política que é justamente o direito. E em sendo, portanto o direito tido como uma criação, tal como é própria da nossa tradição, a tradição ocidental, naquilo que ela remonta também a sua outra vertente, além da grega ou greco-romana, que é a vertente judaico-cristã, aí nós temos a possibilidade justamente de uma concepção creacional do direito, do direito como um produto de uma criação que, se num primeiro momento é tido como de origem divina, atualmente, ou, ao longo de um processo histórico, cortou ou perdeu este vínculo com esta origem assentando-se no próprio homem a fonte criadora, produtora do direito. Ora, então o direito é poiético! É algo que surge como o resultado do emprego de um saber e de um poder de criação do homem e, não apenas de mera reprodução como seria o saber da práxis, da técnica e da prática. Então é uma técnica-poética diríamos em termos gregos. Porque nós sabemos que, infelizmente, em Roma a técnica e a arte se confundiram e se misturaram, inclusive numa palavra única que é ars e, o direito terminou sendo associado mais ao aspecto técnico e, ainda hoje o é, e menos a este aspecto, que eu diria que ser o aspecto original, e aqui podemos reivindicar Vico, Giambatista Vico como um dos pensadores que são tutelares, que são afiançadores desta idéia, quando remete a obra de legisladores inspirados como artistas, a produção de um direito em suas origens mitológicas. Ora o que é um mito senão uma criação artística com este conteúdo também, com esta conotação também de religiosa. Então como você pode ver a gente considera que é preciso pensar o direito novamente, eu diria, dessa maneira em que ele se associa a estes elementos  essencialmente humanos, que são os elementos de ordem poética, ficcional, mítico, religioso.
Entrevistador: Como esta criatividade poderia influenciar a forma de raciocinar em direito se nos parece hoje que as características principais estão voltadas para um utilitarismo que a gente poderia até qualificar de estéril?
Willis: É! Justamente porque é esta visão tecnicista do direito. O direito visto como um mero instrumento técnico, de controle do comportamento, da conduta humana sem concebê-lo também como tendo o ônus de justificar! De fundamentar! A orientação que, pelo direito se fornece, para esta conduta, ou seja, a medida que nós não temos uma sociedade como a nossa, de uma maneira digamos assim, bastante extraordinária na história da humanidade, não temos mais este vínculo que sempre, em geral, tem se observado ao longo desta história, no passado, e ainda hoje no presente, em sociedades ainda hoje existentes e que se organizam de um modo; que justamente não é o modo das sociedades com aquelas marcadas pela civilização ocidental do atual momento de sua história, em que se verificou a ruptura do vínculo tradicional entre o direito e uma esfera transcendente que o justifique. Esta esfera transcendente, e neste sentido, uma natureza religiosa, que tanto pode ser e foi, por exemplo, no nosso passado ou no passado desta civilização ocidental mais recuado no seu passado greco-romano, esta instância transcendente é a política, propriamente dita, enquanto a crença na superioridade da cidade, de cidades inicialmente gregas e, depois Roma; e na outra vertente, formadora desta civilização, na vertente judaico-cristã, a justificativa estava na transcendência, aí sim, da própria divindade: monoteísta, única, do Deus único, criador do universo, do homem e, portanto, das suas leis fundamentais também expressas muito bem no decálogo, nas dez normas dos dez mandamentos, dos decalogois (δεκάλογοι), dos dez ditos transmitidos na tradição judaica através de Moisés e enviado por Deus. Então é curioso que nós terminamos então produzindo na Modernidade, claro,  a ruptura destes vínculos do direito com qualquer forma de transcendência, seja em termos estritamente religiosos ou em termos teológico-políticos, então, o direito está digamos assim, tendo que se impor pelas suas próprias razões e a gente não pode considerar satisfatório que a estas razões não se acrescente alguma forma de convicção emanada daquilo que nós entendemos, se precisa prestar mais atenção atualmente, que é o próprio sentimento ou a sensibilidade dos que estarão sujeitos a estas ordenações, para que estas ordenações não sejam percebida e, de fato, implementadas de uma maneira que desconsidera a dignidade própria destes sujeitos.
Entrevistador: É interessante observar que existe esta raiz bastante primitiva que está nesta ligação entre direito e religião. E sendo a religião um dos seus objetos de estudo, a que conclusões o Senhor chegou, preliminarmente pelo menos, nesta relação do direito com a religião?
Willis: Bem! A conclusão é que o direito, na origem, encontra-se, como eu vinha dizendo, associado sempre a alguma forma de religião, o direito é sempre um direito que diferencia aqueles que o adotam de  outros que, por não o adotarem seriam considerados, como por exemplo entre os gregos, bárbaros e que portanto, menos do que poderia se considerar propriamente humanos, ou seja, o direito neste vínculo com a religião que lhe é, digamos assim, tradicional, que é o que mais se observa, onde se observa agrupamentos humanos no modo mais original  em que ele apresenta como por exemplo, as tribos, ou mesmo depois os clãs, ou seja, mesmo quando estas tribos por fatores que não vêm ao caso agora explorarmos, transformam-se organizações ou grupamentos sociais mais complexos ou maiores, porque o fato de ser complexo depende muito do ponto de vista na medida em que na menor tribo, pode e geralmente, se encontra presente aspectos de extrema complexidade que são próprios do ser humano desenvolver! Basta citar o sistema de parentesco tão bem estudado por Levi-Strauss, justamente nestas sociedades ditas primitivas que deste ponto de vista, por exemplo, da sua estrutura de parentesco, não têm nada de primitivas, são extremamente sofisticadas e complexas. E quando nós temos esta separação do direito da religião que só é possível quando justamente nós vemos surgir uma espécie de religião muito diferente de outras que são exatamente as religiões monoteístas; porque aí nós vamos ter a condição histórica para a futura separação do próprio direito e da religião porque,  se num primeiro momento as religiões monoteístas mantém a relação entre direito e religião e este primeiro momento pode perdurar como ainda perdura por exemplo, entre as cidades que adotam a religião islâmica. Por outro lado naquelas de influencia cristã, ou seja, na versão cristã do monoteísmo originalmente judaico, e também para o islamismo, mas é na versão cristã que nós vamos observar...aqui parou o áudio...
Entrevistador: O humanismo parece que está justamente fincado em toda esta tradição que vem justamente desde a concepção cristã de mundo. Só que a gente observa também que, e eu sei que este é um dos temas dos seus estudos,  o problema da violência que foi levantado em princípio pela antropologia e se configurou mesmo como uma característica original do direito. Como o problema da violência vai influenciar o pensamento jushumanista na sua visão?
Willis: A violência é, de certo modo, o próprio conteúdo do direito. Se a gente quiser radicalizar, se a gente quiser pensar a questão a partir de suas raízes, sem eufemismo, a gente costuma sempre se utilizar de um eufemismo pra não declarar abertamente esta relação original mesmo entre o direito e a violência! A gente costuma falar em coação! O próprio Kelsen, que a gente falava no início, terminou definindo o direito como uma ordem coativa. Na linha de Ihering, nos lembramos também de Max Weber, invocando um discurso de Trotsky em que definia o Estado como o detentor do monopólio do uso da violência de uma determinada sociedade, o que ele faz, utilizando-se para tanto do direito! O direito pode ser entendido, nestes termos, o direito já do Estado moderno, pode ser muito bem entendido como a regulação, dizem de uma maneira mais eufemística, do poder! E o que seria o poder? O uso legitimo desta violência! Ou seja, um uso e exercício de uma violência que seriam legitimados na medida que estivessem previamente estabelecidos o modo desse uso, quem utilizaria, o quanto utilizaria, quando utilizaria, desses meios coativos. Para assim, evitar que esta violência fosse praticada de uma maneira indiscriminada. Então, do que se trata é de evitar um uso arbitrário das próprias razões ou da violência, de maneira irracional! De certo modo do que se trata é de racionalizar o uso da violência no Estado moderno. Mas, a rigor, de um ponto de vista sociológico, um observador sociológico como Max Weber e, mesmo um teórico do direito que por mais que desenvolva uma teoria formal e abstrata, como é o caso de Kelsen, não deixa por outro lado de estar comprometido com o que pode se chamar um princípio de realidade! Neste sentido vai admitir claramente esta relação originária entre o direito e a coação ou violência, dependendo do ponto de vista. Mas, não deixa de ser a mesma coisa. Então o que a gente observa em diversas propostas que se apresentam como humanistas em direito e, em geral, é que elas podem sim estar acobertando, sob um certo conceito do que seria humano, uma justificativa do emprego da violência que estaria, poderia estar, e estaria de fato, mostrando-se divergente desses padrões. É por isso que, se por um lado entendemos que é fundamental retomar esta discussão sobre o que é o ser humano se quisermos renovar a discussão sobre o direito, não podemos, ao fazer isso, desconsiderar que o ser humano é um ser violento por excelência! Eu chego até a radicalizar dizendo que violência mesmo só quem pratica são os humanos. E só numa perspectiva antropomórfica é que vamos chamar de violentos, atos que em si não me parece que se pode caracterizar como tal, como os atos de um animal selvagem qualquer que sem ter consciência propriamente do que está fazendo exerce as suas forças naturais na busca de alimento ou, de algum modo, praticando crueldades que não se podem considerar comparáveis ao que pratica o próprio ser humano.
Entrevistador: Como o Senhor vê o futuro da filosofia jushumanista? Estaríamos numa espécie de encruzilhada moral, a partir dos acontecimentos tão contundentes da atualidade? (pós-Modernidade líquida, tecnologia robotizante, consumismo compulsivo, manipulações bioéticas de toda ordem, etc.).
Willis: Bem! Eu penso que esta perspectiva filosófica, ela pode se mostrar como uma espécie de trincheira em defesa de certas prerrogativas do ser humano que estes desenvolvimentos mencionados estão negando! E aí, e vai soar muito estranho certamente o que vou dizer agora, porque por exemplo, exatamente onde estas prerrogativas do ser humano, a prerrogativa de morrer, de saber que vai morrer; de sofrer, de aprender com o sofrimento, de se transformar, de se transfigurar a partir de experiências que hoje em dia se procura de todos os meio evitar! Também não estou propondo aqui que se vá em busca delas. O que é bem diferente de simplesmente se negar a importância de nós sermos confrontados com os nossos limites, como a nossa contingência, com as incertezas de nossa condição de ser consciente, de viver e, portanto, de não ter existido sempre e nem existir para sempre. Então estes desenvolvimentos todos mencionados me parece que, por um lado, vão num sentido de promover um esquecimento desta nossa condição precária de ser ou, por outro lado buscar a superação dela. Buscar, fazer com que atinjamos um outro modo de ser e aí eu tenho muitas duvidas se será um melhor modo de ser se formos tomar como parâmetro para isso, as máquinas que estamos construindo! O que me parecer ser o caso. Infelizmente.
Entrevistador: E nesta perspectiva como, como o Brasil se coloca nisso? Inclusive sendo qualificado como país de periferia por muito tempo, e eu sei que uma das suas lutas é por uma filosofia brasileira! Obviamente não desconsiderando vários dos autores que já trabalharam e trabalham nesta perspectiva, seria então possível pensar a partir de uma forma  filosoficamente brasileira?
Willis: Eu acredito sim! Acredito que há justamente no sentido de garantirmos essas prerrogativas do ser sofredor, sofrido que somos. Há, sem duvida! Há algo de muito importante que pode surgir justamente desses que estão na periferia e padecem mais, sob certo aspecto, dos que estariam no centro. E além do que, estando na periferia e de certa maneira, deslocados, têm uma posição de observação que nos permite fazer descobertas que ficam mais difíceis para os que, digamos assim, estão no olho do furação. E se nós pensarmos que foram justamente das periferias os grandes impérios da antiguidade que surgiram as duas grandes forças geradoras desta civilização, que agora está em crise que é a nossa civilização ocidental, ou seja, justamente ali no nordeste do mediterrâneo em que se tem o surgimento, por um, lado da filosofia e outros contributos importantes da civilização grega e, por outro lado, a religião monoteísta da civilização judaica. Absolutamente periféricas na época em que floresceram. Eu penso que também atualmente nesta nossa periferia há a possibilidade de florescer pensamento tão exuberante como este da nossa fauna porém para isso nós teríamos que tomar uma maior consciência de elementos constitutivos do nosso modo próprio de pensar, e neste sentido eu destacaria exatamente este modo mais sofredor de pensar que se expressa muito bem numa palavra que é muito nossa, e quando eu digo nossa, aqui é evidente incluo os que vivem nesta língua, vivem em línguas similares a esta que vivemos de origem português ou galaico-portuguesa, que é o sentimento de saudade. Eu estou muito interessado em conhecer cada vez mais o que seria, o que se esconderia por detrás desta simples palavra que, como sabemos, é uma palavra como conotações muito próprias dos falantes de nossa língua que é a palavra saudade.
[Risos entre entrevistador e entrevistado]
Willis: O que você acha?
Entrevistador: Eu acho ótimo.
Willis: [risos]
Entrevistador: Principalmente por ser um sentimento.
Willis: Isso
Entrevistador: Esta racionalidade esterilizada pelo modelo positivista parece que deu o que tinha que dar. Tem mais coisas aí, por detrás disso que precisam ser exploradas.
Willis: É isso aí
Entrevistador: Muito obrigado.

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